Mestre Biriba – Jefferson Dias
Éder Rodrigues dos Santos
Nos últimos anos, Roraima tem assistido a uma explosão de grandes eventos promovidos com pompa e cifras vultosas, vendidos como investimento em cultura. Mas é necessário, com responsabilidade e senso crítico, perguntar: a quem servem esses eventos? E mais ainda: quem fica de fora dos grandes palcos iluminados?
Em 2023, o Arraial do Anauá — uma das maiores festas juninas da Amazônia — recebeu um investimento superior a R$ 8,8 milhões dos cofres estaduais. A Exposição-Feira Agropecuária de Roraima (Expoferr), em 2023 e 2024, consumiu mais de R$ 33 milhões em organização, estrutura e cachês. Em Bonfim, município com 15 mil habitantes, situado ao norte do estado, investe mais de R$ 1,8 milhão em uma única festividade local, com recursos estaduais. Tudo isso sem contar os repasses federais da Lei Paulo Gustavo e da Política Nacional Aldir Blanc. São eventos importantes com cifras consideráveis, que se apresentam como ações de fomento cultural — mas… será que de fato fomentam?
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A análise aqui não é sobre a importância do arraial, ou do setor agropecuário, tampouco sobre tradições populares. O que se questiona é a concentração desses recursos em grandes contratos com empresas, produtoras e organizações que pouco ou nada dialogam com os fazedores (as) de cultura da base, aqueles (as) que atuam no bairros menos privilegiados, nas escolas públicas, nos quilombos, nas comunidades indígenas, nos grupos indígenas no contexto urbano, na cultura que ocorre nas praças públicas e nos terreiros.
Quantos grupos de teatro comunitário, quantos mestres de capoeira, quantas associações culturais urbanas e rurais receberam apoio direto? Quantos músicos locais têm acesso real aos palcos dessas grandes festas, com cachês justos e visibilidade verdadeira? Quantos ambulantes e feirantes realmente lucram ou apenas assistem de longe à montagem dos camarotes fechados e das estruturas contratadas de fora do estado?
A política cultural não pode se restringir a grandes shows e eventos pontuais, muitas vezes terceirizados. Ela precisa ser política pública, com planejamento, com editais transparentes, com formação, com escuta popular, com inclusão. Do contrário, a cultura deixa de ser direito e passa a ser espetáculo — um teatro caro, onde poucos atuam e outros poucos apenas assistem.
Quando o orçamento próprio do Estado de Roraima investe quase R$ 50 milhões em eventos em menos de dois anos — sem um plano estadual de cultura plenamente implementado, sem um sistema de cultura em funcionamento e sem um fundo com gestão participativa —, o que está em jogo não é a festa, mas a ausência de uma política sólida, democrática, participativa e duradoura para o setor.
Cultura não são fogos de artifício ou luzes de natal, é raiz. É memória, é pertencimento. Não se faz cultura apenas com palco e som — faz-se com respeito, com acesso, com escuta, com processos contínuos. A cultura que transforma não é só a que entretém: é a que educa, questiona, preserva e liberta.
Enquanto se gasta milhões em alguns dias de festa, mestres tradicionais continuam sem reconhecimento, jovens artistas seguem sem apoio, e fazedores culturais lutam com recursos escassos para manter vivos seus saberes e fazeres. É hora de repensar. As festas podem ser bonitas, mas a política cultural precisa ser justa.
Jefferson Dias (Mestre Biriba), é mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN; Especialista em Filosofia da Religião (UERR), Pós-graduado em docência do nível Superior e Bacharel em Direito e Pós-graduando em Compliance, Governança Corporativa e ESG. Conselheiro Estadual de Promoção da Igualdade Racial do Estado de Roraima – CONSEPIRR, Membro do grupo de Estudo e Pesquisas em Africanidades e Minorias Sociais (UFRR), membro do Comitê Gestor da salvaguarda da Capoeira de Roraima e do Comitê Pró-Cultura Roraima, Membro da Federação Roraimense de Capoeira – FERRCAP, Mestre de Capoeira pelo Grupo Senzala e Fundador do projeto social Instituto Biriba – Educar para transformar.
Éder Santos é Doutor e Mestre em Geografia Cultural, jornalista, sociólogo, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas da Universidade Federal de Rondônia; membro associado da Mostra Internacional do Cinema Negro (SP); do Comitê Pró-Cultura Roraima. É presidente da Associação Roraimense de Cinema e Produção Audiovisual Independente (Arcine).