Cerca de 380 imigrantes venezuelanos que estavam morando de forma improvisada na área externa da Rodoviária Internacional de Boa Vista, no bairro Treze de Setembro, foram transferidos para o Ginásio Tancredo Neves, no bairro de mesmo nome. A ação foi realizada nas primeiras horas da manhã de sábado, 28.
Segundo o comandante do Corpo de Bombeiros, coronel Doriedson Ribeiro, o Estado vai contar com as Organizações Não Governamentais (ONGs) Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (Adra) Internacional e Fraternidade sem Fronteiras para gerenciar o novo abrigo e dar assistência aos imigrantes. Somando o número de abrigados no Ginásio Tancredo Neves aos do Centro de Referência ao Imigrante, no Ginásio do Pintolândia, já são quase mil imigrantes vivendo com auxílio do poder público estadual e ongs.
Na chegada ao ginásio, um cadastramento dos imigrantes foi realizado pela Defesa Civil com o objetivo de efetuar encaminhamentos para novos atendimentos, como educacional para crianças e de inserção no mercado de trabalho para os adultos. O cadastro também serve para a legalização dos imigrantes no País. Doriedson Ribeiro destacou que os dados serão repassados à Polícia Federal a fim de que os venezuelanos possam, nos casos de necessidade, legalizar a permanência no Brasil.
A estrutura do novo abrigo tem banheiros, água e, além da área interna, os imigrantes que tiverem barracas podem se instalar na área externa. Posteriormente, a Defesa Civil informou que também pretende colocar barracas para acolhimento dos refugiados, como foi realizado no CRI. Para hoje, 30, está previsto o início do processo de acolhimento, com oferecimento de alimentação e atendimento médico.
De acordo com o comandante, a rodoviária não poderia permanecer ocupada por imigrantes por ser uma área de segurança. “O Governo oferece abrigo, mas só para aqueles que querem. Ninguém é obrigado a ir, mas na rodoviária eles não podem ficar por se tratar de área de segurança. Além disso, será feita uma revitalização na estrutura e havia a necessidade de retirar os imigrantes, para evitar acidentes”, esclareceu.
Participaram da ação de retirada o Corpo de Bombeiros Militar de Roraima, Defesa Civil, Polícia Militar do Estado de Roraima e a Companhia de Desenvolvimento de Roraima (Codesaima), além das secretarias estaduais de Justiça e Cidadania (Sejuc), de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) e Extraordinária do Gabinete Institucional.
APOIO DA UNIÃO – Sobre um possível apoio do Governo Federal, o coronel Doriedson Ribeiro informou que o Estado vai aguardar a manifestação de assistência mais efetiva ao imigrante. “Estamos agindo desde o ano passado no acolhimento de imigrantes e, até o momento, o Estado recebeu R$ 380 mil para atender a cerca de 200 venezuelanos por seis meses. Esse recurso está sendo utilizado agora. Esperamos que o Governo Federal se manifeste mais efetivamente no apoio aos venezuelanos”, ressaltou.
NÃO-INDÍGENAS – No domingo, 29, o comandante do Corpo de Bombeiros esclareceu que o novo abrigo para os refugiados venezuelanos deverá alojar somente imigrantes não-indígenas sem moradia. A expectativa é que o remanejamento de indígenas seja realizado até quarta-feira, 1º, para o Centro de Referência ao Imigrante (CRI), no bairro Pintolândia, zona oeste da capital. (A.G.G)
Imigrantes relatam que retirada foi “bruta e sem aviso prévio”
A equipe de reportagem da Folha visitou o Ginásio Tancredo Neves, no sábado, 28, logo após a retirada dos venezuelanos da Rodoviária Internacional de Boa Vista, a fim de saber junto aos imigrantes como a ação havia sido efetuada pelo Governo do Estado. Conforme relato dos entrevistados, a retirada foi realizada “de forma bruta e sem aviso prévio”.
Segundo o venezuelano José Ramirez, de 31 anos, natural de San Cristobál, os imigrantes foram surpreendidos pelos responsáveis da operação no primeiro horário da manhã. “Eles já chegaram mandando a gente entrar no ônibus, quase não deu tempo de pegar nossas coisas. Ninguém tava sabendo disso”, explicou. Há uma semana em Roraima, Ramirez relatou que ainda não conseguiu emprego e, no novo local, acho que vai ser mais difícil. Ele destacou ainda que outros imigrantes já haviam saído para trabalhar quando a retirada começou por não saber o que aconteceria. “Quando eles voltarem não estaremos mais lá”, lamentou.
A venezuelana Dejanira Sotillo, de 64 anos, natural de Maracay, chegou a Boa Vista há quase uma semana. Ao conversar com a equipe da Folha, ela explicou que ainda estava assustada com a maneira que foi retirada do acampamento. Dejanira informou que os agentes trataram os venezuelanos de forma bruta, exigindo que entrassem rapidamente no ônibus. Com a pressa, ela disse que só conseguiu pegar algumas peças de roupa e o material de higiene necessário. “Tinham ainda homens armados, parados, olhando para nós. Eu não entendi essa postura, não entendi por que eles tinham que estar ali daquela maneira”, frisou.
Em relação ao ginásio, os venezuelanos explicaram que, além de não haver estrutura para abrigar todas as pessoas, o local não tinha energia elétrica. A situação piorou quando os venezuelanos não receberam alimentos para o almoço. Um deles, que preferiu não se identificar, explicou que não conhecia nada da região para sair em busca de comida. “Só tem água aqui e mal”, ressaltou.
Além dos imigrantes, membros de organizações não-governamentais que estiveram no ginásio também relataram a situação. O membro do grupo Ação Social, Vanessa Epitáfio, disse que a ação de retirada já era de seu conhecimento. No entanto, em contato com a Defesa Civil, foi informada que a operação seria realizada no decorrer desta semana, e não no sábado. Para ela, retirar os imigrantes da rodoviária para colocar no ginásio não foi a melhor solução.
Vanessa frisou que o intuito não é fazer campanha para que os venezuelanos permaneçam na rodoviária. “Sabemos que é uma área de segurança, mas eles foram jogados, porque essa é a palavra, em um ginásio que não tem nada além de água, sem um aviso prévio para que houvesse organização. Tirar eles de uma área ruim para colocar em uma pior ainda é uma situação que precisa ser denunciada”, relatou.
Para Vanessa, o poder público só tem feito o papel repressivo, que é tirar os venezuelanos de locais impróprios. Contudo, na hora do papel preventivo de ajudar, nada é feito. “A retirada deles da rodoviária não é para o bem-estar ou segurança deles, é única e exclusivamente para que não fique tão visível à população a ineficiência do poder público para esta situação”, disse. (A.G.G)
“O governo deve ser responsável por nós”, diz imigrante venezuelana
Patrícia é uma das imigrantes que foi encaminhada ao Ginásio Tancredo Neves, na zona oeste, no sábado, 28. Deixando o esposo diagnosticado com câncer e uma filha diagnosticada com deficiência na Venezuela, a chilena que abraçou a Venezuela fez a viagem a pé. As marcas do sol e do longo caminho estão expostas em forma de bolhas e pele descascada. Por questão de segurança, preferiu não identificar seu sobrenome.
Ela explicou que a falta de controle em Pacaraima permite a entrada de pessoas de má índole no Brasil. Ao chegar na capital, a dificuldade de se expressar e de ser compreendida foi um dos vários obstáculos na luta para conseguir remédios à família. O desejo não é permanecer, tampouco voltar de mãos vazias. Após se acomodar junto aos demais imigrantes, Patrícia percebeu que estava sozinha e, no novo acampamento, pontuou que está mais perto de criminosos que não foram detidos na fronteira. “Outros países são preparados para atender imigrantes e refugiados, o Brasil não. O Governo deve ser responsável por nós”, destacou. (A.G.G)