Opinião

Opiniao 04 01 2017 3469

Poderíamos falar da vida. Poderíamos falar de leis – Jaime Brasil Filho*Poderíamos dizer que na existência humana não há nada mais importante que o semelhante, uma outra vida, um outro ser feito e tido como a gente. Do mesmo modo, acertadamente, alguém poderia dizer que não há nada mais desumano do que o desprezo ao outro ou ignorar aquele que nos é igual. Sabemos que existem os que tentam desumanizar nossos semelhantes por meio de discursos, ideologias, religiões, apenas porque alguém não tem a mesma cor de pele que nós, não fala o nosso idioma ou porque não se comporta ou pensa exatamente como nós, ou, ainda, simplesmente, porque nasceu em um outro pedaço deste nosso mesmíssimo planeta Terra. Assim, falamos da vida.

Poderíamos falar de leis e dizer, que, como princípio civilizatório, todos somos iguais perante elas, as leis. E que não interessa se um é negro e o outro branco, se aquele é índio ou aqueloutro asiático, e, mais, poderíamos afirmar que segundo garantem as nossas leis, todos aqueles que aqui estão, neste país, neste pedaço de Brasil, são protegidos pelos mesmos direitos e têm as mesmas obrigações. Assim, falamos de leis.

Poderíamos, para além da importância que todo ser humano carrega, por ser alguém que pensa e que medita sobre o que pensa – o que faz dele único e incomparável – por isso e por muito mais, dizer que as crianças, os nossos filhos, a nossa continuidade neste mundo, merecem ainda mais atenção, cuidado, carinho, proteção e amor. Sabemos que há quem separe os seres-humanos adultos em categorias, espécies e tipos. Mas, haveria alguém com a soberba e a frieza para identificar diferenças significativas entre crianças, e que identificasse, dentro do processo mágico, único e comum a todas elas, aquelas que são merecedoras do nosso cuidado e as que não são? Existem crianças que não merecem o nosso cuidado? Assim, falamos da vida.

E quando essas perguntas sobre a vida e as leis nos batem à porta, ou, melhor dizendo, quando nos batem a janela do carro em algum cruzamento de Boa Vista, enquanto esperamos o sinal verde nos levar ao conforto do nosso lar? Agora, falamos da vida e falamos de leis.

E, não foi por outro motivo que o juiz titular da Vara e Infância e Juventude da Comarca de Boa Vista, onde atuo como defensor público, acertadamente, no último dia 17 de dezembro, determinou, conforme nossas normas o autorizam, que o Estado de Roraima e a Prefeitura Municipal de Boa Vista cumprissem a lei, em nome da vida.

Qual lei? Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, a autoridade judiciária pode por iniciativa própria determinar ações de proteção àquelas crianças que se encontram em estado de risco. E todos nós sabemos que as crianças da etnia Warao, do litoral venezuelano, encontravam-se, e muitas ainda se encontram, debaixo de sol e chuva, em nossas ruas e esquinas, acompanhando suas mães que aqui estão se refugiando da fome e do desamparo.

Segundo a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, e que foi promulgada no Brasil por meio do Decreto Federal nº 99.710 – ou seja, tal convenção possui força constitucional -, os direitos assegurados às crianças serão respeitados por todos os Estados (países) signatários, sem distinção “de raça, cor, sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra índole, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais”. (grifei e sublinhei)” …Voltamos a falar de leis.

Pois bem, foi constatado pela Divisão de Proteção da Vara da Infância que não há falta ou omissão das mães que perambulam pelas ruas de Boa Vista do Vale do Rio Branco, e que lá atrás deixaram os seus lares, nos canais do delta do rio Orinoco. Pelo contrário.

A situação de risco para as crianças não se dá por falta de amor ou cuidado das mães a elas, mas, sim, pela clara situação de penúria a que foram submetidas. De vida falamos novamente.

Mas, e agora, como falar de leis diante de algo tão sensível e humano? Qual solução a ser dada diante de uma situação em que a condição humana se demonstra tão frágil e ávida por amparo?

Para tirar essas crianças da situação de risco em nossas ruas, o Dr. Parima Veras determinou que o Estado de Roraima e a Prefeitura de Boa Vista dividissem as responsabilidades para dar o tratamento legal e humano às crianças que precisam urgentemente de comida, teto, roupa e a mínima assistência médica. Assim, coube ao Governo do Estado de Roraima a parte mais dispendiosa, que é fornecer às 133 crianças já identificadas em situação de risco, e respectivas genitoras, almoço e jantar, atendimento médico hospitalar e odontológico emergencial e que disponibilizasse um local apropriado para alojamento; enquanto à Prefeitura de Boa Vista lhe caberia somente fornecer o café da manhã, a internação hospitalar (já que o Hospital Santo Antônio já oferece esse serviço) e a administração, por meio de sua Defesa Civil, do alojamento já cedido pelo Estado.

Mas, adivinhem? O Município disse que não quer cumprir a sua parte!

Município de Boa Vista recorreu da decisão judicial e, assim, conseguiu suspender os efeitos da decisão do juiz da Vara da Infância se utilizando de um argumento transverso e errôneo, pois lá no recurso é citada a quantia de 30.000 imigrantes que estariam em Boa Vista, como se esse fosse o público alvo da decisão. Não é. Ocorre que a decisão do Dr. Parima não é para que a Prefeitura cuide de 30.000 pessoas, mas tão somente das 133 crianças e respectivas mães indígenas da Venezuela, o que no máximo somariam umas 266 pessoas. Mas, a Prefeitura não quer dar café, nem pão, nem hospital a elas. Nem nada.

A quem devemos procurar, na Prefeitura de Boa Vista, para explicar que as crianças não têm culpa se não sabemos ainda nada sobre a vida ou não entendemos o que as leis querem dizer?

Será preciso explicar que é desumano deixar crianças sofrendo nos semáforos da cidade? Por acaso há algum jurista que nos possa explicar que a Prefeitura não tem nada a ver com isso? Ou mesmo explicar que a Prefeita, que no domingo passado foi novamente empossada, não tem nada tem a ver com as crianças de colo, ou que mal se esgueiram dos carros pedindo dinheiro para comer?

Alguém realmente acredita que toda uma etnia e centenas de crianças estão naquela situação por que querem, por comodidade, por escolha?

A Prefeitura de Boa Vista recorreu da decisão judicial que acabei de comentar. É um direito da Prefeitura recorrer de decisões desse tipo e de outros tipos, não há dúvida. Essa é uma questão legal. Mas, aqui, não estamos falando apenas de leis.

E quem irá falar da vida àqueles que apenas enxergam as leis que lhes são convenientes?

Café da manhã, alguns agentes da Defesa Civil e internação hospitalar quando necessária. A vida, às vezes, não precisa de muito para seguir com o mínimo de dignidade.

A diferença entre uma visão jurídica e outra não é algo abstrato neste caso. Dessa diferença resulta a dor, o sofrimento e o risco a que mais de 130 crianças estão submetidas na cidade de Boa Vista. Entre uma visão legal e outra está a vida.

Falemos, pois, da vida.

*Defensor Público junto à Vara da Infância e Juventude—————————————–Será que eu sei educar? – Afonso Rodrigues de Oliveira*“Ser pai não é eliminar os obstáculos da vida dos filhos, mas sim oferecer-lhes ajuda para que desenvolvam a capacidade de superá-los”. (Roberto Shinyashiki)Não sei se os pais atuais conseguiram entender e absorver as mudanças na educação. A evolução social e cultural sofreu mudanças num ritmo tão acelerado que não houve como acompanhá-lo. Mas o mais difícil é entender, e aceitar que o erro vem de longas datas. Com a educação severa que tivemos durante toda a metade do século passado, vinda do século anterior, não conseguimos perceber as diferenças. Começamos e continuamos confundindo liberdade com libertinagem. Foi com o desenvolvimento da televisão que pais aprenderam a comer, junto com os filhos, com os pratos nas mãos, sentados no sofá da sala. E muitos fazem isso até comendo à mesa. E é aí que está a confusão.

Todos os desacertos que vivemos hoje, na sociedade, são resultado de uma Educação deformada. Não nos preparamos para uma Educação condizente com a época que vivemos. E o resultado não poderia ser outro. E como corrigir isso? Não sei, e sei que as autoridades não sabem. E isso nos impossibilita de fazer nossa parte como ela deveria ser feita. Afinal, não nos ensinaram. E é por isso que nos irritamos quando ouvimos os blá-blá-blás das autoridades, quando vêm a público tentar explicar o inexplicável. As falas empoladas e ininteligíveis não dizem nada e continuamos nadando no nada; e tudo encalha na má educação.

Especialistas no assunto já nos disseram que dos primeiros meses de vida até a adolescência, uma criança ouve milhares e milhares de nãos, dos pais. E até onde esses nãos podem educar ou deseducar? Depende da educação dos pais. E por falta desta, eles continuam e vão continuar, confundindo liberdade com libertinagem. A criança continua ouvindo os nãos como se eles não tivessem nenhum valor. E o segredo está em não saber como dizer não. Porque o não nem sempre e negativo. Mas temos que aprender a usá-lo, quando e como. Na educação da criança, o não deve vir como orientação e não como uma repreensão.

Mas só iremos entender isso quando formos suficientemente educados para a época em que vivemos. E nem fomos, nem estamos sendo. Educar um filho é ensiná-lo como se comportar educadamente. E a educação está no falar, no comportar-se, já nos primeiros anos de suas atividades; é saber brincar e cuidar dos brinquedos; e por aí afora. Simples pra dedéu, embora não consigamos fazer isso sem muita dificuldade. E é por isso que devemos ser educados, como pais. As coisas fáceis não vêm de graça. Elas exigem esforço e dedicação. Pense nisso.

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