Quando Post chegou ao público em junho de 1995, ainda era só mato o mundo digital. A internet era um território pouco explorado, os celulares eram tijolos, e a cultura rave respirava seus últimos suspiros utópicos antes da comercialização massiva.
Nesse limiar entre o analógico e o virtual, Björk capturou o espírito de uma época em transição. Mais do que isso, ela amplificou, distorceu e, finalmente, transcendeu. Se em Debut (1993) ela havia apresentado ao mundo sua voz como um fenômeno da natureza, em Post essa mesma voz se tornou um sinal de transmissão, oscilando entre o orgânico e o sintético, o humano e o pós-humano.
Produzido em colaboração com Nellee Hooper, Tricky e Graham Massey (do 808 State), Post é um momento de múltiplas identidades. Aqui, o background islandes de Björk vai de encontro com o underground de Londres, onde ela vivia na época.
O álbum absorve o caos da cidade, os ritmos industriais, a diversidade cultural, a tensão entre violência e beleza. É como se ela transformasse tudo isso em uma jornada emocional de êxtase e também desespero.
Faixas
O álbum abre com “Army of Me”, que é basicamente um tanque de guerra avançando sobre ruínas, com batida pesada de bateria e baixo. Björk canta com a fúria de quem exige autossuficiência: “If you complain once more, you’ll meet an army of me”.
A genialidade de Post está na forma como destrói fronteiras. “Isobel”, com seus arranjos orquestrais de strings. Poderia ser uma canção folk, mas os sintetizadores a transformam em uma fábula cyberpunk.
“Enjoy”, produzida por Tricky, mergulha no trip-hop e no noise, criando uma atmosfera claustrofóbica que prenuncia a escuridão de Homogenic (1997). E então há “It’s Oh So Quiet”, cover de Betty Hutton que explode em big band jazz, como se David Lynch resolvesse dirigir um musical da Broadway.
Essa volatilidade de gêneros não é mera farofada. É uma manifestação de um mundo onde identidades são fluidas, e a tecnologia não anula a emoção, mas a intensifica.
Serviu horrores
A recepção de Post foi tão polarizada. Teve quem celebrasse a ousadia, mas alguns fãs de Debut estranharam a ausência de uniformidade. Com o tempo o álbum se revelou profético. Ele antecipou a cultura remix, a ascensão da música eletrônica experimental e até a estética glitch dos anos 2000.
Artistas como FKA twigs, Arca e Grimes devem muito a Post – não apenas em termos sonoros, mas na coragem de fundir o pessoal com o tecnológico.
Post é para quem…
Esse álbum é para quem ainda acredita que a música pode ser um portal. Para quem ouve “Possibly Maybe” e enxerga naquelas linhas de baixo sinuosas um mapa de relacionamentos falidos e conexões de internet discada.
Para quem vê em “I Miss You” não apenas uma canção de saudade, mas um grito sobre a nostalgia em tempos de aceleração digital. Se Post fosse um objeto, seria um floppy disk contendo uma carta de amor escrita em código binário frágil, datado, mas ainda capaz de despertar algo profundamente humano em quem ousa inserir na drive.
Björk nunca repetiria Post. Ela seguiu adiante, explorando orquestras, glitch, vulcões e apps de realidade virtual. Mas é aqui, neste disco que oscila entre o caos e a melancolia, que ela nos deixou uma pergunta essencial: em um mundo cada vez mais artificial, o que nos torna reais? A resposta, talvez, esteja naquela voz, tão primal quanto os beats que a cercam, insistindo: “You’ll be alright, you’ll be alright”. Como um sinal de rádio vindo do futuro, ainda ecoando.
O Álbum Essencial de “Post” dessa semana foi uam sugestão de Itallo Franco.