
A série ÁLBUM ESSENCIAL é dedicada a quem ouve discos com o mesmo cuidado que se lê um livro ou se aprecia um filme marcante. Publicada toda quinta-feira pela FolhaBV, a seção analisa álbuns — novos ou clássicos — que deixaram uma marca significativa na música. Nesta edição, o destaque é Gal Tropical, obra de 1979 que registra uma das fases mais expressivas de Gal Costa e seu envolvimento com os desdobramentos da Tropicália.
Em um Brasil que saía lentamente dos anos mais duros da ditadura militar, Gal Tropical surgiu como um trabalho que refletia tanto a liberdade criativa quanto os limites ainda impostos à arte. Gal Costa, já consagrada por sua atuação na Tropicália ao lado de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé, entra aqui em uma fase mais pop, mas sem abrir mão da inquietação estética e da crítica social que sempre acompanharam sua trajetória.
O álbum é também um reencontro com a leveza: dançante em muitos momentos, solar e fluido, sem deixar de ser politizado. A brasilidade aparece tanto na escolha de repertório quanto nos arranjos, que dialogam com o samba, o frevo, a música afro-brasileira e o pop internacional.
Produção e sonoridade
Com produção assinada por Perinho Santana, o disco tem direção musical sofisticada. Os arranjos exploram a diversidade rítmica do Brasil sem cair no excesso ou na caricatura. Músicas como Balancê, Força Estranha e Meu Nome é Gal são exemplo de como a artista transitava entre estilos sem perder coerência.
A voz de Gal é o fio condutor do álbum: potente, versátil, capaz de ir do grito tropicalista ao canto doce da MPB tradicional. A mixagem valoriza o canto sem engolir os instrumentos, criando um som limpo, mas cheio de camadas.
O repertório mescla composições inéditas com releituras ousadas. Canções como Força Estranha (Caetano Veloso) ganham uma nova dimensão na voz de Gal. Já Balancê, de João de Barro e Alberto Ribeiro, ganha uma roupagem moderna que resgata o carnaval de rua em tom contemporâneo.
A escolha das faixas revela uma curadoria pensada para mostrar o Brasil em múltiplas cores: feminino, político, tropical, sensual e espiritual. É um disco que diz muito sobre a época e também sobre a própria artista, em fase plena de domínio artístico.
Na época de seu lançamento, o disco foi bem recebido, embora tenha dividido opiniões quanto ao seu caráter mais pop. Com o tempo, Gal Tropical foi sendo resgatado como um marco da transição entre o experimentalismo dos anos 1970 e a MPB dos anos 1980. Hoje, é visto como um dos registros mais emblemáticos da versatilidade de Gal Costa e figura com frequência em listas de discos essenciais da música brasileira.
Esse álbum é para quem…
…aprecia a música brasileira como experiência estética e política. Gal Tropical é indicado para quem gosta de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina e da fase mais inventiva da MPB. Também agrada a ouvintes curiosos pela Tropicália, pela história do Brasil nos anos 70, ou simplesmente por boa música feita com intenção artística e liberdade criativa.