SAÚDE MENTAL

Vício em celular pode prejudicar cognição, memória e relações na vida real. Saiba como diminuir a dependência

Brasileiros passam quase 10 horas por dia no celular. Crianças e adolescentes são os mais impactados pelo mau hábito.

A interação excessiva com smartphones pode prejudicar o desenvolvimento da linguagem, a habilidade de lidar com emoções e as relações interpessoais (Foto: Mikoto/Pexels)
A interação excessiva com smartphones pode prejudicar o desenvolvimento da linguagem, a habilidade de lidar com emoções e as relações interpessoais (Foto: Mikoto/Pexels)

Se você já entrou em pânico e se sentiu desconfortável porque a bateria do celular estava prestes a acabar ou então verifica as mensagens recebidas tão automaticamente quanto respira e sente ansiedade quando entra em um ambiente onde o sinal da operadora não pega, é bem provável que você esteja sofrendo de nomofobia. Essa síndrome, caracterizada pelo medo irracional de ficar desconectado, tem se tornado mais comum e, com a chegada do novo coronavírus, ficou ainda mais severa, afetando a saúde mental de milhares de usuários.

Dados do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGVcia), apontam que existem mais celulares do que habitantes no Brasil. Além disso, os brasileiros passam em média 9 horas e 32 minutos por dia no aparelho, o que representa quase 60% do tempo em que estão acordados.

A Covid-19 intensificou o uso da tecnologia pela necessidade de isolamento e distanciamento social. Pesquisa do Instituto Delete – vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – revelou que 52,6% dos entrevistados baixaram novos aplicativos durante a pandemia. Um total de 43,8% mudaram o modo de consumo de bens e serviços, migrando do presencial para o online, por causa das medidas de confinamento adotadas nas várias cidades brasileiras.

Esses usuários, com idades entre 18 e 70 anos, passaram a fazer compras por aplicativos ou sites de e-commerce em farmácias e supermercados, além de realizarem transações bancárias na internet. A pesquisa também revela que 51,2% – mais da metade dos 870 entrevistados – identificaram alguma alteração emocional pelo aumento do tempo dedicado ao uso de plataformas digitais.

Sintomas da dependência digital

A dependência digital apresenta sintomas como depressão, diminuição do poder de foco e concentração, irritação e sono alterado pela exposição contínua às luzes das telas dos dispositivos. Anna King, psicóloga clínica e pesquisadora do Instituto Delete, em entrevista à revista de saúde Vida e Ação, explica que esse ciclo vicioso é causado pelo efeito que as luzes, cores e sons emitidos pelos celulares têm sobre o cérebro, liberando substâncias como dopamina e serotonina.

É um transtorno mental primário, uma ansiedade, uma depressão, uma compulsão. São esses transtornos são responsáveis pelo uso excessivo das tecnologias. Segundo ela, os dependentes digitais usam o celular para extravasar seus transtornos de origem.

Anna King, psicóloga clínica e pesquisadora.
Estímulo de dopamina liberado pelos celulares pode ser comparado ao efeito das drogas no cérebro (Foto: Freepik)

Consequências do vício

Os celulares tornaram-se verdadeiros “sequestradores de atenção”. Muitas vezes, mesmo durante atividades importantes, perdemos o foco quando nos distraímos nas redes sociais. O aparelho funciona como um gatilho neurológico, ativando-se a qualquer momento.

Essa distração é provocada por descargas hormonais que ocorrem ao receber uma notificação ou mensagem. Quando o conteúdo é estressante, há um aumento de cortisol; quando traz prazer, há uma liberação de dopamina. Esse estímulo de dopamina pode ser comparado ao efeito das drogas no cérebro.

Uma preocupação crescente é o impacto do uso excessivo de celulares em cérebros em desenvolvimento, especialmente em crianças e adolescentes. Esses jovens precisam de estímulos do ambiente, contato com a natureza e diversas experiências. A interação excessiva com smartphones pode prejudicar o desenvolvimento da linguagem, a habilidade de lidar com emoções e as relações interpessoais dos mais jovens.

O vício em celulares foi pauta de um episódio do podcast Conexão FolhaBV, da Folha de Boa Vista, que recebeu a psicóloga Ana Luisa Coelho para falar dos impactos dessa tecnologia em nossas vidas. Escute agora:

Perda de controle da vida real pode causar o vício

De acordo com o Instituto Delete, “a dependência digital não está diretamente relacionada ao tempo de conexão de uma pessoa aos seus dispositivos eletrônicos”. O principal motivo é o “nível de perda de controle na vida real, trazendo prejuízos nos campos profissional, familiar, afetivo ou social”. O Instituto identificou cinco dimensões que correspondem aos níveis de dependência digital:

1. Excitação e segurança:
Neste nível inicial, a tecnologia é usada como uma forma de escapar de problemas pessoais. O usuário sente uma falsa sensação de segurança e satisfação ao se conectar.

2. Relevância:
Aqui, a importância de estar conectado aumenta. O usuário começa a pensar constantemente em tecnologia, que gradualmente passa a dominar sua vida.

3. Tolerância:
Este nível envolve a necessidade de passar mais tempo conectado para obter as mesmas sensações de antes. Os usuários começam a perder o controle e a trocar atividades reais por mais tempo online.

4. Abstinência e efeitos:
Quando não conseguem se conectar, os usuários podem ficar irritados, ansiosos e com medo. Isso pode afetar o sono, a alimentação e até levar a sinais de depressão.

5. Evidências de conflitos:
No nível mais extremo, o uso excessivo começa a prejudicar relações reais. Os usuários percebem o problema, mas se sentem incapazes de parar, o que pode comprometer seu desempenho educacional, profissional e social.

10 passos para redução de danos

Depois de entender os impactos que o tempo conectado em excesso pode causar na vida pessoal, profissional e estudos, é hora de dar os primeiros passos para a redução dos danos. Mesmo que você não possa se desconectar completamente, é importante seguir pelo menos 4 dos 10 passos abaixo para garantir o equilíbrio entre o real e o virtual:

  1. Use o bom senso para evitar o uso excessivo de tecnologia no seu dia a dia.
  2. Fique atento aos efeitos físicos (falta de sono, dores nas costas, problemas de visão) e psicológicos (depressão, ansiedade) do uso exagerado de tecnologia.
  3. Equilibre o uso da tecnologia. Veja se isso está afetando seu desempenho nos estudos, no trabalho, na família ou na vida pessoal.
  4. Reflita sobre seus hábitos diários e tente mudar o que for necessário.
  5. Não troque atividades ao ar livre ou compromissos para ficar conectado.
  6. Priorize a vida social real em vez da virtual. Prefira amizades e relacionamentos presenciais.
  7. Pratique exercícios físicos regularmente. Faça pausas para alongar enquanto usa a tecnologia.
  8. Não deixe que publicações online afetem seu humor. Desconfie das informações e pense bem antes de postar algo.
  9. Valorize suas relações pessoais e familiares. Não as troque por tempo na frente das telas.
  10. Descarte o lixo eletrônico corretamente. Pense no meio ambiente, recicle seus aparelhos e evite trocá-los sem necessidade.