SAÚDE MENTAL

Número de suicídio na adolescência em Roraima aumenta em 10 anos

Somente nos últimos 5 anos, foram registrados 67 casos na faixa etária de 10 a 19 anos; especialistas explicam crescimento e o efeito do consumo de redes sociais

Estudos recentes têm levantado preocupações sobre o impacto negativo das redes sociais na saúde mental (Foto: Reprodução/Internet)
Estudos recentes têm levantado preocupações sobre o impacto negativo das redes sociais na saúde mental (Foto: Reprodução/Internet)

O número de suicídios entre adolescentes e jovens no estado de Roraima aumentou ao longo dos últimos 10 anos. Somente nos últimos cinco, foram registrados 67 casos na faixa etária de 10 a 19 anos, segundo dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Apesar dos números, especialistas explicaram o crescimento de suicídios na adolescência, o efeito do consumo de redes sociais e a importância do apoio familiar.

Estudos realizados pelas Universidades Federal de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (UFMG e UFMT), mostraram que Roraima tinha o maior coeficiente de mortalidade da região Norte até 2016. Nesse mesmo, taxa de mortalidade bruta por suicídio em adolescentes por 100 mil habitantes era de 17,29%. Em 2012, a taxa era de 12,9%.

Apesar do aumento, o estado registra queda do coeficiente de óbitos por lesões autoprovocadas, independente da idade. Segundo o Mapa da Segurança Pública, ao comparar 2022 com 2023, Roraima registrou a maior redução do país, com queda de 12,5% e saindo da taxa de 10% para 8,8% de suicídios por 100 mil/hab.

Dentre vários gatilhos, a perda da identidade

A neuropsicóloga e psicopedagoga, Jussara Barbosa. (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

Estudos do início da década de 2010 já apontavam o crescimento de casos de suicídio no mundo e no Brasil, saindo da faixa dos idosos para jovens e adolescentes. De acordo com a neuropsicóloga e psicopedagoga, Jussara Barbosa, dados do Organização Mundial de Saúde (OMS) também indicaram que as vítimas de automutilação estariam no início da adolescência.

Isso já era uma preocupação em 2013, já se percebi esse movimento e foi quando se iniciou várias campanhas no mundo para que os jovens pudessem falar das suas angústias. Porque é exatamente nesse período que acontece uma mudança fisiológica e também a busca de uma identidade, já que acontece a perda da identidade infantil.

apontou Jussara.

Conforme a neuropsicóloga esse é um gatilho, que atrelado à sobrecarga escolar, relacionamentos frustrados, diferenciação familiar e de amigos, além da escolha profissional, acabam gerando depressão, ansiedade e outros transtornos mentais. “A gente percebe quando vai fazer uma anamnese do adolescente que traz uma imediação suicida, é o sentimento de angústia, desesperança, a sensação de não ter o apoio do polo familiar e questões de gênero também”, explicou.

Um problema que não é ‘raiz’ nem ‘nutella’

O cientista político Paulo Racoski. (Foto: Nilzete Franco/Folha BV)

Além do crescente número de suicídios, a sociedade ficou mais informada ao longo dos anos e mais casos passaram a ser notificados com o avanço tecnológico. É o que explica o cientista político, Paulo Racoski, sobre como esses números podem ter aumentado significativamente. No entanto, ele não descarta que suicídios de crianças, adolescentes e jovens é gerado a partir da não valorização da vida como aprendizagem.

O fenômeno em criança, adolescente e jovens, está muito mais no processo do mundo em decadência material, moral e ético, e de uma sociedade que não valoriza a vida enquanto essência de aprendizagem, uma essência biológica que é muito frágil e que deva ser cultivada.

disse Racoski à FolhaBV.

O cientista também explicou que o desencadeamento de suicídios não se relaciona às gerações ou é específico da sociedade atual. “A nossa sociedade hoje não se tornou nem forte nem fraca, até tem aquele trocadilho do raiz e Nutella. […] Mas, na verdade, suicídio efetivamente sempre ocorreu e havia subnotificação, não havia notificação e havia suicídio indireto”, enfatizou Paulo.

Relações mais virtuais e redes sociais

Com a existência da internet e alta interação no mundo virtual, Paulo Racoski, afirmou que as pessoas estão cada vez mais “individuais, individualistas e individualizadas” e isso afeta as relações e a convivência humana. “As pessoas se tornam mais frágeis, desenvolvem transtornos mentais com maior intensidade e acabam sucumbindo. Se não, às vezes, por suicídio ou outros fenômenos, até outros abusos indiretos, tabaco, álcool, drogas lícitas e ilícitas, medicações e muitas situações de alienação mental”, exemplificou o cientista político.

Atrelado à isso, Racoski apontou que as redes sociais, hoje, criam uma perfeição de vida que atinge o adolescente e qualquer pessoa que esteja em crise de identidade. A neuropsicóloga Jussara Barbosa também defende o pensamento.

“O nosso cérebro está acostumado a uma compensação imediata. Então quanto mais tempo eu fico numa atividade, onde eu estou alimentando o meu cérebro com aquela satisfação, estou recebendo sensação de prazer, estou recebendo uma motivação para eu continuar [mexendo no celular]; e eu percebo que não tem isso nas minhas ações e que no meu cotidiano não é imediato, gera uma frustração. O adolescente, que por si só está na fase não só vulnerável, mas com autoestima comprometida, inseguro das suas escolhas, isso vai gerando conflitos internos e a falta do saber o que é certo, o que é errado”,

explicou a neuropsicóloga.

Apoio familiar

As redes sociais não são maior gatilho nos casos de suicídio de crianças, adolescentes e jovens, conforme Jussara. Em contrapartida, o apoio familiar é o suporte fundamental. Por isso, a também psicopedagoga, indica que os familiares se atentem aos comportamentos dos filhos, primos e sobrinhos.

“Você percebe que o adolescente está se distanciando da família, tendo um isolamento social que é uma característica da violência. ‘O meu quarto é o meu mundo’. Há a falta de interesse de hábitos, de costumes que antes que gostava, mas agora não tem mais sentido, não tem prazer em desenvolver. Também tem as compulsões: Compulsão alimentar, distúrbios de sono, desregulação, autoconceito totalmente negativo, que é o ‘eu não consigo’, e questão da estética”, orientou Jussara Barbosa.