Política

Auditoria revela que pai de Mauro Cid usou escritório nos EUA para negociar joias de Bolsonaro

Comissão concluiu que general Lourena Cid recebeu negociador e resistiu a devolver celular usado para fotografar joias.

Auditoria revela que pai de Mauro Cid usou escritório nos EUA para negociar joias de Bolsonaro Auditoria revela que pai de Mauro Cid usou escritório nos EUA para negociar joias de Bolsonaro Auditoria revela que pai de Mauro Cid usou escritório nos EUA para negociar joias de Bolsonaro Auditoria revela que pai de Mauro Cid usou escritório nos EUA para negociar joias de Bolsonaro
O tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid — Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados.
O tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid — Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados.

Uma auditoria realizada pela ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) no escritório de Miami, nos Estados Unidos, revelou que o ex-diretor geral da unidade, o general Mauro Lourena Cid, utilizou o local para negociar joias e presentes recebidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante seu mandato.

O relatório, divulgado nesta sexta-feira (12), será encaminhado à Polícia Federal, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal de Contas da União (TCU). Este documento faz parte do inquérito que resultou no indiciamento de Bolsonaro e outras 11 pessoas na semana passada, acusados de peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa.

A ApexBrasil (informou que 16 pessoas foram interrogadas pela Comissão Extraordinária, designada em abril deste ano para investigar as irregularidades. Além do uso do escritório para negociar joias e presentes, a comissão destacou a resistência em devolver equipamentos funcionais, o acesso à unidade mesmo após a exoneração e “comportamento desviante” das atividades atribuídas.

“Os resultados apontam a prática de delitos e graves desvios de conduta durante a gestão do general Mauro Lourena Cid à frente do escritório”, afirmou a nota da ApexBrasil, resumindo a apuração a que a Gazeta do Povo teve acesso. A reportagem procurou a defesa do general e aguarda retorno.

Servidores confirmaram informações da PF De acordo com a comissão, “boa parte” das informações levantadas pela Polícia Federal durante a investigação “foram confirmadas e detalhadas por documentos examinados e depoimentos tomados”. Lourena Cid é identificado como o responsável pela negociação das joias do ex-presidente nos Estados Unidos.

A ApexBrasil destaca que Lourena Cid utilizou a estrutura do escritório para “atividades não relacionadas” à sua função de diretor geral, tanto antes quanto depois de sua demissão, ocorrida em 3 de janeiro de 2023.

“Foi possível concluir que, às 10h39 da manhã de 4 de janeiro de 2023, já demitido mas ainda nas dependências do escritório da Apex, ele usou o celular funcional para compartilhar fotos das joias e objetos de arte do acervo atribuído ao ex-presidente”, relata a nota, ressaltando que as imagens foram produzidas pelo celular corporativo da ApexBrasil.

A agência afirma que Lourena Cid resistiu a devolver tanto o celular – que ele continuou utilizando para falar com o filho, Mauro Cid, até 7 de fevereiro de 2023 – quanto o notebook funcional, devolvido em 17 de janeiro. Os dados foram apagados dos dispositivos de forma irregular, já que “deveriam ter sua integridade atestada e seus dados apagados por uma empresa prestadora de serviços de tecnologia contratada pela agência”.

Ainda segundo a ApexBrasil, o general jamais devolveu o passaporte oficial com visto de trabalho vinculado ao órgão, mantendo o crachá de acesso ao prédio até uma semana após a demissão. Ele ainda recebeu uma senha para acesso ao wi-fi em seu e-mail pessoal, mesmo após o bloqueio automático no dia da exoneração, o que pode indicar “algum tipo de apoio ou omissão de funcionários” – mas sem especificar quem o auxiliou.

“Ficou comprovada a presença de Mauro [Lourena] Cid no EA [escritório] semanas após a sua demissão, tempo suficiente para agir conforme seus interesses e afastar qualquer evidência”, concluiu a ApexBrasil.

Lourena Cid recebeu filho e transportador das joias no escritório A Comissão Extraordinária da ApexBrasil apontou também que Lourena Cid recebeu o corretor de imóveis Cristiano Piquet em agosto de 2022, identificado pela PF como responsável por levar e guardar uma mala com joias e esculturas que seriam posteriormente negociadas em casas de leilão nos Estados Unidos.

“Piquet confessou à Polícia Federal que, em janeiro de 2023, transportou uma mala de joias do ex-presidente Jair Bolsonaro de Orlando para Miami, a fim de entregá-la ao general Cid”, diz a ApexBrasil na nota sobre a mala que chegou nos Estados Unidos no avião presidencial que Bolsonaro utilizou para viajar a Orlando no dia 30 de dezembro de 2022, dois dias antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A auditoria também revelou que o tenente-coronel Mauro Cid esteve no escritório em janeiro de 2023, mesmo após a exoneração do pai, passando algumas horas trancado com ele em sua antiga sala.

A ApexBrasil também aponta que Lourena Cid apresentava um “comportamento desviante” em relação às suas atribuições como diretor do escritório, com “baixo perfil” e “afastamento das atividades de negócios”.

“Jamais fez proposições voltadas à exportação ou captação de investimentos. Não solicitou relatórios, tampouco avaliou resultados. Segundo relatos unânimes, o general aprovava todas as propostas levadas a ele, sem aprofundar conteúdos, sugestões ou reparos”, detalha a nota.

Os relatos coletados pela comissão indicaram que empresários e representantes de empresas que nunca se tornaram clientes da ApexBrasil foram recebidos por ele repetidamente, fora da agenda oficial.

“As apurações apontam ainda que a negligência do general Lourena Cid em suas funções à frente do EA Miami [escritório], com a ausência de instrumentos de controle do trabalho da equipe, de reuniões de avaliação e de relatórios qualitativos, instaurou no local um padrão de desídia e disfuncionalidade”, destaca a ApexBrasil.

A agência também questiona a mudança de “status” do escritório de Miami, que foi transformado em “anexo consular” após negociação do governo com o Departamento de Estado dos EUA, permitindo ao local conceder benefícios e imunidades a diplomatas, como maior facilidade para obtenção de vistos.

Funcionário fantasma

Ainda sob a gestão de Lourena Cid, o escritório foi utilizado para contratar fraudulentamente o médico Ricardo Camarinha, que atendia Bolsonaro, em abril de 2022. Ele foi contratado pela sede da ApexBrasil em Brasília e expatriado “por meio de instrumentos de excepcionalidade (memorando, portaria e carta oferta)”.

“O médico não desenvolvia qualquer atividade profissional ligada ao cargo de assessor, e nem frequentava as dependências do escritório. O fato configura uma contratação fraudulenta”, descreve a agência, classificando-o como “funcionário fantasma”.

A ApexBrasil afirmou à reportagem que interveio no escritório de Miami e que “prossegue na apuração e no exame de desdobramentos, desvios e eventuais irregularidades relacionados ao escritório”. “Novas providências poderão ser tomadas após a continuidade do processo de apuração e responsabilização, inclusive o desligamento de colaboradores”, completou.

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