CORRUPÇÃO

PF indicia prefeito de Rorainópolis e outros 9 suspeitos de desviar R$ 4 mi do combate à Covid

Leandro Pereira disse que inquérito foi baseado "em inferências e ilações", e tem "erros sérios" e "vários vícios". Seis servidores municipais e três empresários também são acusados

O prefeito de Rorainópolis, Leandro Pereira, durante campanha de reeleição em 2020 (Foto: Arquivo pessoal)
O prefeito de Rorainópolis, Leandro Pereira, durante campanha de reeleição em 2020 (Foto: Arquivo pessoal)

A Polícia Federal (PF) indiciou o prefeito de Rorainópolis, Leandro Pereira (Solidariedade), e outras nove pessoas suspeitas de participar de um esquema que teria desviado quase R$ 4 milhões em licitação de itens de combate à Covid-19. O inquérito concluído foi enviado ao Ministério Público Federal (MPF).

Além do prefeito, seis servidores da Prefeitura em 2020 (os secretários de Saúde, Gestão e Planejamento, e Finanças, a presidente da Comissão Permanente de Licitação, a fiscal do contrato e a diretora de departamento) e três empresários são acusados de praticar crimes de licitação, lavagem de dinheiro e organização criminosa (entenda mais abaixo).

Conforme inquérito instaurado em 23 de novembro de 2020 – quase um ano antes da Operação Contagium que teve entre os alvos o prefeito, o secretário municipal de Saúde e o sócio de uma empresa – Leandro Pereira e seus servidores negaram a autoria do crime e alegaram desconhecer as irregularidades. Apenas o proprietário da empresa contratada na licitação não compareceu à sede da PF na ocasião.

Procurado, Leandro Pereira divulgou uma nota de 14 parágrafos (que pode ser lida completa ao final da reportagem) para dizer que o inquérito foi baseado “em inferências e ilações”, e tem “erros sérios” e “vários vícios”. Sobre acusações de sobrepreço e superfaturamento, lembrou que, nas duas primeiras fases da pandemia da Covid-19, houve uma súbita elevação da demanda mundial por medicamentos e alta desproporcional e generalizada de até 528% nos preços de matérias médico-hospitalares e 410% no de medicamentes para o SUS.

“No caso de Rorainópolis, foram respeitados os valores de mercado que tiveram, apenas em alguns produtos isoladamente, uma variação 30 % em comparação com os preços anteriores à pandemia, ou seja, bem menor que a nível nacional, o que só reforça a regularidade das compras da Prefeitura e o zelo com a coisa pública”, diz Pereira, ressaltando que “há uma tentativa de algumas autoridades de criminalizar a política, ignorando essas contingências que os gestores do SUS, sobretudo prefeitos, tiveram que enfrentar com a COVID-19”.

Para o prefeito, o inquérito erra nas informações sobre preços pagos e valores de mercado de bens e insumos, e tenta atribuir irregularidade na contratação emergencial autorizada por lei. Por fim, Pereira lamenta que a investigação seja conduzida com “informações distorcidas” e diz esperar “o momento processual oportuno para juntar as provas da improcedência dos fatos indicados no relatório policial, inclusive com pareceres e perícias técnicas sobre a regularidade de sua atuação durante a pandemia”.

Primeiras irregularidades

Inquérito concluído pela PF cita análise da CGU (Controladoria-Geral da União) ao processo licitatório para contratar 250 mil unidades de equipamentos de proteção individual e insumos para rede municipal, a qual constatou indícios de que o valor total de R$3.999.768,00 a ser contratado teria sido ajustado entre o licitante e a empresa contratada.

A corporação constatou que, além da pessoa jurídica contratada, a Prefeitura consultou duas empresas de Boa Vista localizadas no mesmo endereço e cujas propostas, sem justificativa plausível, orçaram aquisição de 325,1 mil unidades, bem acima do previsto inicialmente. E que por fim, a gestão confeccionou planilha estimativa de preços tendo como base essa mesma quantidade, sem apresentar cálculo que justificasse a mudança para volume tão específico.

“A CGU concluiu haver indícios de que o valor total a ser contratado teria sido ajustado anteriormente à contratação, independentemente da quantidade de unidades e valores de cada item constante no Pedido de Aquisição e no Termo de Referência, pois o valor incorreto apresentado na proposta de preços inicial foi o exato valor contratado, tendo sido realizados, aparentemente, ajustes na quantidade do item 23 para ficar igual”, diz o documento.

A CGU ainda viu sobrepreço de R$ 1.560.465,00 (39,01%) e superfaturamento no valor total de R$ 992.783,00 (24,82%).

Execução do contrato

A PF também constatou irregularidades na execução do contrato: a ordem de compra foi emitida no dia 24 de agosto de 2020 pelo secretário de Saúde com o valor total de R$3.999,768,00, acima das três notas de empenho de R$ 2.722.259,00, assinadas pelo prefeito e secretários de Saúde e Finanças.

Além disso, as notas faziam referência a dispensa de licitação errada, e que uma nota fiscal relacionada ao empenho do valor, de R$1.999.884,00, foi emitida às 18h55 do mesmo dia, após o horário de funcionamento da Secretaria de Saúde.

Ademais, o comprovante de recebimento da mercadoria assinado pela fiscal do contrato aponta que os produtos teriam sido entregues no mesmo dia, o que levantou suspeita da PF, porque a cidade fica a 270 quilômetros da capital, o que levou os policiais a crerem que os produtos foram recebidos por volta das 23h do dia, ou foram entregues em data diferente da nota ou nunca foram enviados. A liquidação das despesas ainda foi realizada no mesmo dia e assinada pela fiscal e pelo secretário.

A PF identificou situação semelhante na segunda nota fiscal relacionada à licitação, emitida às 19h31 de 9 de setembro de 2020. O atesto de recebimento se deu no mesmo dia, novamente fora do horário de expediente da secretaria. A nota foi assinada pela fiscal e o empenho pelo prefeito.

Quebra de sigilo

Após conseguir judicialmente quebrar o sigilo bancário dos investigados, a PF concluiu que o prefeito e seus seis servidores envolvidos na licitação usaram esquema de transferências de recursos pela sistemática da compensação em benefício da organização.

A corporação chegou a essa conclusão porque o proprietário da empresa contratada, por meio dela, realizou 14 transferências bancárias para pessoas físicas e jurídicas de fora do Estado, sem vínculo aparente entre si.

Em seguida, o prefeito e os servidores municipais teriam recebido valores de 27 pessoas jurídicas espalhadas pelo Brasil, a título de pagamento de salários, embora o grupo não possua vínculo empregatício com as empresas. “Torna-se, assim, escancarada a configuração dos crimes de corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro”, diz o inquérito da PF.

Por fim, a PF identificou, entre 3 de agosto e 13 de novembro, inúmeros saques em espécie, realizados na conta da empresa contratada que totalizam R$1.173.900,00.

Nota completa do prefeito Leandro Pereira

“O Prefeito de Rorainópolis informa que não existe denúncia ofertada contra ele quanto às alegadas fraudes em licitação para compra de produtos e insumos para combate à COVID-19.

Na verdade, tramita um Inquérito na Polícia Federal (PF) de Roraima para apurar denúncia anônima de que teria havido irregularidades nessa licitação. O Relatório ofertado pelo Delegado foi encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF) para análise da investigação.

O Inquérito baseou-se em inferências e ilações por conta de relatório com vários equívocos técnicos e omissões que não analisaram as contingências decorrentes da disseminação acelerada do coronavírus e da alteração na demanda e na oferta de medicamentos, produtos e insumos para a saúde pública.

É público e notório que durante as duas primeiras fases da Pandemia da Covid-19, houve uma súbita elevação da demanda mundial por medicamentos, equipamentos e insumos médico-hospitalares, que ocasionaram uma corrida de todos os países em busca desses produtos, para assegurar a vida e a saúde de seus cidadãos.

Diante do aumento imprevisível da demanda e da capacidade limitada da indústria, dos distribuidores e fornecedores em produzir e colocar em circulação esses insumos e produtos, houve uma desarticulação e reorganização do mercado que impactou fortemente o desabastecimento, a quantidade, a qualidade e, principalmente, os preços.

Obviamente que esse impacto negativo provocou, no Brasil inteiro, uma elevada inflação e uma alta desproporcional e generalizada de até 528 % nos preços de matérias médico-hospitalares e 410 % no de medicamentes para o SUS, conforme a conclusão de Pesquisadores do Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (IBROSS).

Portanto, todos os gestores municipais, estaduais e federais se viram, durante a PANDEMIA diante de contingências que impactaram no custo de abastecimento do SUS e a forma de contratação emergencial de produtos, medicamentos e insumos para a saúde.

No caso de Rorainópolis, foram respeitados os valores de mercado que tiveram, apenas em alguns produtos isoladamente, uma variação 30 % em comparação com os preços anteriores à pandemia, ou seja, bem menor que a nível nacional, o que só reforça a regularidade das compras da Prefeitura e o zelo com a coisa pública.

Há uma tentativa de algumas autoridades de criminalizar a política, ignorando essas contingências que os gestores do SUS, sobretudo prefeitos, tiveram que enfrentar com a COVID-19.

O Inquérito instaurado tem erros sérios quanto às informações sobre os preços pagos e nos valores de mercado dos bens e insumos, além de tentar atribuir irregularidade na contratação emergencial, autorizada por lei.

Esses equívocos interpretativos por parte de órgãos investigativos inclusive inspirou a criação da Lei 14.217/2021 para deixar bem claro que o gestor público pode dispensar a licitação para a compra de insumos, bens e serviços, inclusive de engenharia para o enfrentamento à pandemia de COVID-19.

Além disso, o Inquérito possui vários vícios, pois começou a tramitar sem autorização e fiscalização do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, já que Prefeitos têm foro especial, e foram usadas chicanas para burlar o controle judicial adequado, o direito de defesa do investigado, inclusive com obstáculos aos novos advogados para que pudessem ter acesso às investigações, e com a convocação do Prefeito para prestar
depoimento só após dois anos de sua instauração.

O Prefeito lamenta que essas investigações sejam instruídas com informações distorcidas e amparadas em inferências e desconhecimento das contingências econômicas e administrativas.

Espera com serenidade o momento processual oportuno para juntar as provas da improcedência dos fatos indicados no relatório policial, inclusive com pareceres e perícias técnicas sobre a regularidade de sua atuação durante a pandemia.

Rorainópolis/RR, 12 de julho de 2023.
Leandro Pereira.
Prefeito.