Opinião

Mapeamento e afirmação da cultura de Roraima 2: Alto Alegre

Mapeamento e afirmação da cultura de Roraima 2: Alto Alegre

Éder Rodrigues dos Santos

Jefferson Dias (Mestre Biriba)

Com a recriação do Ministério da Cultura (MinC) em 2023, retomou-se o apoio às ações das unidades que compõe a estrutura da pasta, como as suas secretarias fundações e institutos, com destaque para o Instituto do Patrimônio, Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a Fundação Palmares e a Fundação Nacional de Artes (Funarte).

Comemora-se a iniciativa de implementação dos escritórios estaduais do MinC, pois com isso renasce a esperança de dias melhores para os fazedores e fazedoras de cultura. Para construir políticas públicas com vistas a resolver as demandas nos municípios, é importante entender quais são os problemas a serem enfrentados. O debate sobre políticas públicas exige busca ativa. Ouvir quem faz cultura é central nesse processo.       

Dentro do “Panorama Cultural de Roraima” (Editora de UFRR, 2016) publicação resultante do curso de Extensão em Gestão Cultural, organizado pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), com o apoio da Secretaria de Articulação Institucional do MinC, temos à disposição um amplo diagnóstico da gestão cultura dos municípios de Roraima. São dados, mapas, números e entrevistas importantes para iniciar qualquer reflexão sobre o futuro da cultura no estado. 

Especificamente sobre o município de Alto Alegre, localidade distante 87 km de Boa Vista, acessado pela rodovia estadual RR 205, o documento traz os desafios, especificidades e propostas para construções do Sistema Cultural na cidade. O inventário cultural identificou 45 representantes de diversos segmentos culturais: artesanato, dança, música (coral, bandas de rock, gospel e forró), manifestações de cultura popular (bumba meu boi e quadrilha junina), artes visuais, cultura indígena, produção audiovisual, teatro e cultura afro-brasileira.

Diz o texto que: “Cabe destacar que os artesãos catalogados são, em sua maioria, de origem indígena. Tanto eles como os artesãos residentes na área urbana desenvolvem seus trabalhos com diversas técnicas, predominando a pintura em pano, o entalhe em madeira e o uso de sementes, cipós e fibras diversas” (p.20).

A pesquisa demonstrou que não existe Lei de Incentivo Fiscal no município de Alto Alegre. A Secretaria Municipal de Cultura não dispõe de pessoal capacitado para participar de editais de lei de incentivo fiscal do Estado ou da Lei Rouanet. Não houve inscrição de projetos por parte de artistas locais na Lei Estadual de Incentivo à Cultura no ano de 2015. Mesmo que o Fundo Municipal de Cultura esteja criado pela Lei nº 289/2014, de 14 de maio de 2014, ele ainda não foi institucionalizado.

Destaque, à época da pesquisa, para os representantes das culturas ameríndias e afro-brasileiras, notadamente, escritores e compositores como Didi do cordel, Maria Valdeires de Matos Paiva (compositora do hino do município) e Jacob Rufino de Souza, poeta e autor de mais de 10 livros que abordam temas como plantas medicinais e contos amazônicos. “A cultura nordestina também está fortemente presente no cotidiano do município, seja na alimentação, nos termos usados rotineiramente nas conversas ou nos ritmos musicais mais ouvidos pelos munícipes, a exemplo do forró. A herança nordestina também está presente nas danças tradicionais, tendo o seu maior exemplo no grupo de bumba meu boi Douradinho, liderado pelo senhor Raimundo Carin (p.21). A isso, soma-se os patrimônios naturais de Alto Alegre. São cachoeiras, igarapés e rios utilizados como balneários pelas famílias e visitantes.

Verifica-se que há potencial turístico e gerador de renda a ser descoberto e valorizado, entretanto, os desafios são muitos. O novo portal construído na entrada do município com emenda federal em 2022, foi anunciado como um forte elemento para valorização do turismo. Porém, sem políticas culturais efetivas ou investimento na estrutura do turismo, a obra não tem grande importância para os munícipes. Por outro lado, com as leis federais para a cultura (Lei Paulo Gustavo e Lei Aldir Blanc) às portas, estado e municípios têm muito trabalho pela frente.

É tempo de olhar pelo retrovisor para compreender como chegamos até aqui e, mais importante que isso: é preciso atualizar dos dados da cultura local e focar nos resultados desejados por gestores culturais e a classe artística. A criação dos Comitês Estaduais de Cultura é outra bela iniciativa do MinC para 2024. Os Comitês Estaduais terão enorme desafio para organizar, classificar e ampliar o trabalho da cultura, contribuindo para que o estado invista mais e melhor. Quem ganha é o município, os artistas e o público.    

“Iê! Viva meu Deus! Iê, viva meu mestre quem me ensinou!”, já diz o capoeirista agachado ao pé do berimbau.

Éder R. dos Santos é presidente da Associação de Cinema de Roraima, jornalista, sociólogo, doutorando em Geografia pela UNIR, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas (UNIR), da Mostra Internacional do Cinema Negro (SP) e do Comitê Pró-Cultura Roraima.

Jeferson Dias – (Biriba), é mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN; Especialista em Filosofia da Religião (UERR), Pós-graduado em docência do nível Superior e Bacharel em Direito. Membro do grupo de Estudo e Pesquisas em Africanidades e Minorias Sociais (UFRR). Contramestre de Capoeira pelo Grupo Senzala e Fundador do projeto social Instituto Biriba. Membro do Comitê Gestor da salvaguarda da Capoeira de Roraima e Membro do Comitê Pró-Cultura Roraima. Foi Presidente da Federação Roraimense de Capoeira (2019 à 2022). Foi professor de Direito Penal, Ética, Bioética e Legislação Trabalhista na instituição Ser Educacional.

Panorama Cultural de Roraima 2016