OPINIÃO

João de Deus e Nelson Rodrigues

Walber Aguiar*

Nas situações de rotina um pó de arroz pode ficar em casa abanando-se com a Revista do Rádio. Mas quando o fluminense precisa de número, acontece o suave milagre: os tricolores vivos, doentes e mortos aparecem. Os vivos saem de suas casas, os doentes de suas camas e os mortos de suas tumbas.

                                                                              Nelson Rodrigues

Era uma vez um time, uma agremiação, um clube, uma equipe, um selecionado. Mas não era apenas isso. Eram três cores a desfilar soberanamente nos templos esportivos, nos suntuosos estádios, nas magníficas arenas das decisões e dos duelos de “coliseu romano”. Eram três cores que falavam de disciplina, esperança, tradição e até da imanência e transcendência.

Do ponto de vista do imanente o time estava ali, representado por milhares de torcedores, fanáticos ou nem tanto, conscientes ou portadores de um delírio tricolor. Aí esbarramos na icônica figura de Nelson Rodrigues, o que escrevia e respirava branco, verde e grená; aquele que falava da vida real, da vida como ela é, da concreção histórica. Mesmo que hiperbolicamente, ele retratava o flu, perseguia as cores da tradição tricolor, mencionava a loucura dos estádios e os estados da loucura.

Naquele dia Nelson, Romualdo,  Jô Soares e Dorval de Magalhães meteram-se em trajes celestiais da cor da vida; em roupas que jamais desbotaram, em paixões que em tempo algum enfraqueceram. Viam o Maracanã lotado; Diniz, Fábio, Marcelo, Ganso, Cano, Keno, Nino e John Kennedy. Além dos gandulas, da segurança, do povo que, enlouquecidamente, gritava, sorria, chorava e lembrava de todos, dos presentes e ausentes, dos concretos e abstratos, dos loucos, dos mortos e dos portadores da racionalidade.

Mas estava também o transcendente. A asa do anjo que desviou a bola que ia entrando, o pé salvador que apareceu do nada e afastou  a pelota de sua direção primeira. Naquele momento todos se calaram, Boca Juniors e sua torcida, tricolores, grilos e todos os que lotavam a arena da grandeza esportiva e da imensidão do infinito, que fez arrepiar todos os cabelos do corpo e da alma. João de Deus estava ali, abençoando o choro e o riso,  o prazer e a lágrima, o silêncio e a catarse emocional.

Ali entramos na glória eterna, levantamos a taça da Libertadores, pulamos e gritamos com os pulmões tomados de entusiasmo. Ali entendemos a loucura de Nélson Rodrigues e recebemos a grandeza da bênção, a transcendente bênção de João de Deus…

*Poeta, professor de filosofia, historiador, Mestre em Letras e membro da Academia Roraimense de Letras.

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