Divulgação - site do governo do Pará
Divulgação - site do governo do Pará

*Ronildo Rodrigues dos SantosCientista Social

Em novembro de 2025, Belém do Pará se tornará o epicentro de uma das discussões mais urgentes da humanidade. A cidade, que pulsa no coração da Amazônia, sediará a 30ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30. A escolha é simbólica e poderosa: realizar o maior evento ambiental do planeta no bioma que concentra a maior floresta tropical do mundo, responsável por equilibrar o clima global. Mas, como todo símbolo, ele também carrega contradições profundas.

A COP 30 chega ao Brasil num momento de reaproximação entre o país e a agenda climática internacional. Após anos de retrocessos e negacionismo ambiental, o governo federal tenta reconstruir sua credibilidade, apresentando-se novamente como liderança no Sul Global. Belém surge, então, como um gesto de reconciliação: o Brasil oferecendo ao mundo a Amazônia como espaço de debate e esperança. No entanto, entre o discurso diplomático e a realidade cotidiana, há uma distância que precisa ser encarada de frente.

Os temas centrais da conferência são ambiciosos: redução das emissões de gases de efeito estufa, adaptação às mudanças climáticas, financiamento para países em desenvolvimento, preservação de florestas e biodiversidade, transição energética, governança inclusiva e integração das metas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Todos eles se entrelaçam com um ponto comum: o desafio de conciliar desenvolvimento econômico com justiça social e equilíbrio ambiental.

No papel, o Brasil promete reduzir emissões, alcançar o desmatamento zero até 2030 e expandir o uso de energias renováveis. Mas, na prática, enfrenta contradições internas: a força do agronegócio, a lentidão na demarcação de terras indígenas, a exploração mineral predatória e a recém-concedida licença para que a Petrobras pesquise uma nova bacia petrolífera na foz do rio Amazonas, um gesto que soa, no mínimo, paradoxal diante do discurso de transição energética. Como falar de futuro verde perfurando o chão da floresta?

Ao mesmo tempo, o cenário social de Belém expõe as desigualdades que marcam o coração da Amazônia. A cidade é culturalmente rica e resistente, mas sofre com precariedade urbana, transporte deficiente e saneamento básico limitado. A explosão dos preços dos hotéis, denunciada por organismos internacionais, revela outro tipo de crise: a especulação. Enquanto diplomatas e executivos reservam suítes a preços abusivos, muitos moradores são despejados para dar lugar à “indústria da COP”. O evento que deveria promover inclusão corre o risco de reproduzir exclusões.

Essas contradições não passam despercebidas pelos movimentos sociais e pelas populações tradicionais. Lideranças indígenas, quilombolas e ribeirinhas cobram participação real e não apenas simbólica. Querem espaço nas mesas de decisão, não só nas fotos oficiais. Como lembram os próprios povos da floresta, “não existe transição ecológica sem justiça social”. A Amazônia não é um laboratório nem um cenário para discursos; é um território habitado por gente que resiste, planta, pesca e reza por um modo de vida ameaçado.

Do ponto de vista geopolítico, a COP 30 será um teste para o multilateralismo e para a capacidade do Brasil de articular uma agenda global de cooperação e financiamento climático. O país tenta liderar o debate sobre a criação de mecanismos de apoio aos países em desenvolvimento e de integração dos mercados de carbono. Mas o risco é que, sob o brilho das negociações e a presença de líderes internacionais, o evento se transforme num palco de promessas verdes e pouca concretude.

O desafio será não permitir que a COP 30 se esvazie em meio a protocolos e selfies diplomáticas. A presença de figuras importantes, de presidentes a celebridades ambientais, pode dar visibilidade, mas também dispersar o foco do essencial: o compromisso com a vida. Se Belém quer marcar a história, precisa fazer da conferência um encontro entre o global e o local, entre a ciência e os saberes tradicionais, entre o discurso e a prática.

A Amazônia não precisa apenas de discursos inspiradores; precisa de políticas efetivas, de financiamento real e de respeito à sua gente. Que a COP 30 seja lembrada não pela pompa dos discursos, mas pela coragem de enfrentar as contradições que insistem em nos assombrar. Porque, afinal, a luta contra a crise climática não se vence com promessas, vence-se com justiça, solidariedade e compromisso com o futuro comum da Terra.