Ronildo Rodrigues dos Santos
Cientista Social
Com o Brasil assumindo a presidência do Mercosul em 2025, abre-se uma janela de possibilidades e tensões em torno do papel regional que o país pode exercer neste momento crítico da história latino-americana. A liderança brasileira acontece em meio a transformações políticas globais, ao avanço da extrema direita em diversos países da região e à necessidade urgente de reposicionar o bloco sul-americano diante de acordos comerciais estratégicos, como os que envolvem a União Europeia e a EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio).
As perspectivas dessa presidência se ancoram em uma tentativa de revitalizar a integração regional a partir de uma abordagem mais solidária, sustentável e soberana. Sob a orientação do governo Lula, que carrega uma visão histórica de integração baseada na complementaridade dos povos e na construção de uma América do Sul menos dependente das potências do Norte, o Brasil tende a impulsionar pautas de reconstrução institucional, retomada do investimento público regional e promoção de uma diplomacia voltada à justiça social.
Entre as principais bandeiras que o Brasil deve defender estão a reindustrialização verde do bloco, a criação de mecanismos financeiros que fortaleçam as economias locais, a ampliação do papel do Parlasul como instância de participação democrática, além de uma maior aproximação com movimentos sociais e organizações da sociedade civil dos países-membros. A defesa do meio ambiente, com destaque para o combate ao desmatamento da Amazônia e a transição energética justa, também deve ganhar espaço como estratégia de reposicionamento internacional do Mercosul.
No entanto, os desafios são enormes. O primeiro deles é a fragmentação política do próprio bloco, com governos de orientações diversas que ora privilegiam a soberania econômica, ora se alinham aos interesses do mercado financeiro internacional. A desconfiança mútua entre os países-membros, agravada por disputas comerciais e visões distintas de desenvolvimento, compromete a efetividade das decisões conjuntas. A falta de uma estrutura institucional robusta e a dependência de ciclos políticos nacionais tornam o bloco instável e suscetível a retrocessos.
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Ainda assim, o Brasil possui capacidade de promover uma reorganização do Mercosul. Como maior economia do bloco e com uma tradição diplomática voltada à cooperação sul-sul, o país pode exercer uma liderança construtiva que busque consensos progressivos. Isso exige escuta ativa, respeito à soberania dos parceiros e disposição para impulsionar iniciativas comuns, como uma moeda regional para transações comerciais, fundos de compensação para assimetrias econômicas e políticas de mobilidade cidadã.
A grande incógnita está no futuro dos acordos comerciais, em especial o tratado entre o Mercosul e a União Europeia, cujas negociações se arrastam há mais de duas décadas. O atual governo brasileiro resiste às cláusulas adicionais ambientais impostas pela UE, que, sob o pretexto de proteção ambiental, reproduz práticas neocoloniais que tentam condicionar o desenvolvimento sul-americano aos interesses europeus. É provável que o Brasil utilize a presidência para tentar reequilibrar esse acordo, buscando mais garantias de transferência de tecnologia, respeito à soberania ambiental e acesso real a mercados estratégicos.
Por outro lado, o acordo entre o Mercosul e a EFTA — bloco formado por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein — apresenta oportunidades menos controversas. Com foco em áreas de livre comércio e menos pressões políticas, esse acordo pode avançar mais rapidamente, contribuindo para diversificar os parceiros econômicos do Mercosul e diminuir sua vulnerabilidade frente às grandes potências.
O futuro do bloco dependerá da habilidade brasileira em articular uma agenda que vá além do comércio. Reunificar o Mercosul exige mais do que baixar tarifas: exige um projeto político de integração que coloque os direitos sociais, o combate às desigualdades e a preservação ambiental no centro do desenvolvimento. Se o Brasil conseguir fortalecer o bloco como espaço de solidariedade e cooperação, não apenas comercial, mas também cultural, tecnológica e política, terá deixado um legado histórico.
Mais do que uma presidência rotativa, o que está em jogo é a reafirmação do Mercosul como projeto civilizatório alternativo diante de um mundo cada vez mais fragmentado e desigual. O Brasil tem uma chance de ouro. Resta saber se terá a coragem e a coesão interna para aproveitá-la plenamente.