Ronildo Rodrigues dos Santos – Cientista Social
As relações comerciais internacionais sempre refletiram muito mais do que simples interesses econômicos: elas são expressões de poder, dominação e, frequentemente, de desigualdade entre as nações. A recente taxação de 50% imposta pelos Estados Unidos sobre determinados produtos brasileiros revela, mais uma vez, a manutenção de uma lógica histórica onde países do Norte global impõem barreiras à ascensão econômica das nações periféricas. Não estamos diante apenas de uma disputa tarifária; estamos observando, sob novas roupagens, as velhas práticas imperialistas travestidas de defesa do mercado interno.
Historicamente, o Brasil – como outros países latino-americanos – ocupa um lugar subordinado na divisão internacional do trabalho. Exportamos matérias-primas, commodities agrícolas e minerais, e importamos produtos industrializados de alto valor agregado. Esse ciclo vicioso mantém nossa economia dependente e vulnerável às oscilações externas. Quando um país como os Estados Unidos impõe barreiras comerciais dessa magnitude, o que está em jogo não é apenas a economia, mas o projeto de desenvolvimento soberano de uma nação.
A justificativa oficial para a taxação é a proteção da indústria e dos produtores estadunidenses. Contudo, ao olharmos com mais atenção, percebemos que se trata de um protecionismo seletivo: enquanto exigem livre mercado e abertura comercial dos países em desenvolvimento, os Estados Unidos não hesitam em proteger seus próprios interesses quando sua hegemonia é ameaçada. É uma contradição típica do capitalismo globalizado: liberdade econômica para explorar, mas protecionismo quando se trata de manter o poder econômico concentrado.
O que torna esse episódio ainda mais lamentável e politicamente vergonhoso é o uso explícito dessa medida econômica como moeda de troca no debate político interno brasileiro. Ficou exposto ao mundo o oportunismo do governo americano ao atrelar interesses comerciais a questões político-partidárias brasileiras, numa tentativa clara de influenciar disputas internas em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ao invés de manter uma postura institucional e respeitosa, a Casa Branca se viu envolvida num episódio que mais parece um rebate político do que uma decisão econômica racional.
Dentro desse cenário, a atuação do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, evidencia o que muitos já suspeitavam: seu discurso de patriotismo era apenas retórica vazia. Ao invés de defender os interesses do Brasil, Eduardo Bolsonaro preferiu utilizar sua posição pública para reforçar alianças ideológicas pessoais, mesmo que isso significasse prejudicar a economia nacional. Sua defesa entusiástica da taxação americana revela um profundo descompromisso com os produtores brasileiros, especialmente com aqueles que sustentam a economia real do país, como agricultores, pequenos industriais e trabalhadores que agora enfrentam perdas concretas em suas cadeias produtivas.
Essa postura de subserviência ideológica transforma o debate comercial em palco para vaidades políticas e interesses particulares. O verdadeiro patriota defende sua nação acima de projetos pessoais e familiares. O que presenciamos, infelizmente, foi o contrário: um deserviço ao Brasil, travestido de discurso nacionalista. É mais uma demonstração de como o projeto político bolsonarista, apesar de sua retórica anti-globalista e pró-pátria, sempre esteve alinhado aos interesses das elites globais e submisso aos ditames de potências estrangeiras.
Além das consequências diretas sobre a economia brasileira – como a redução das exportações e o impacto sobre setores estratégicos da nossa produção –, essa medida traz efeitos sociais profundos. Produtores brasileiros, especialmente pequenos e médios, que já enfrentam dificuldades estruturais internas (como alta carga tributária, falta de incentivos tecnológicos e logística deficiente), agora veem seus produtos perdendo competitividade no mercado internacional. Como sempre, quem mais sofre são os trabalhadores e trabalhadoras do campo e da indústria, cujas vidas dependem da estabilidade econômica desses setores.
É preciso compreender que medidas unilaterais como essa reforçam o caráter assimétrico do comércio internacional. Os países ricos estabelecem as regras quando lhes convêm e as mudam quando seus interesses são contrariados. O Brasil e outros países do Sul global precisam repensar suas estratégias comerciais, fortalecendo parcerias regionais, investindo em tecnologia e agregação de valor às suas exportações e buscando reduzir sua dependência de mercados historicamente excludentes.
Por outro lado, essa situação escancara a necessidade urgente de uma governança global mais democrática e justa. Organismos internacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC) deveriam atuar para garantir a equidade nas relações comerciais, mas muitas vezes funcionam como instrumentos a serviço dos interesses das grandes potências econômicas. A taxação imposta pelos Estados Unidos não é apenas um problema bilateral: é sintoma de um sistema global que perpetua desigualdades.
Como sociedade, precisamos questionar qual modelo de desenvolvimento queremos seguir. Continuaremos a ser exportadores de matéria-prima e mão de obra barata, ou buscaremos construir um modelo econômico mais autônomo, sustentável e justo socialmente? É hora de repensarmos nossa inserção no mercado global, investindo em inovação, educação de qualidade e políticas públicas que fortaleçam nossa indústria nacional.
Por fim, a resposta brasileira a essa taxação não deve ser pautada apenas por reações econômicas e diplomáticas pontuais. Ela deve ser parte de um projeto nacional mais amplo, que compreenda que soberania econômica e justiça social caminham juntas. Se quisermos romper com o ciclo de dependência e subordinação, precisamos construir um Brasil que valorize seu povo, seu território e sua capacidade produtiva.
A taxação dos Estados Unidos não é um episódio isolado, mas um capítulo a mais da longa história de exploração e dominação econômica que marca as relações internacionais. Cabe a nós, enquanto sociedade, refletir e agir para que o futuro do Brasil não continue sendo decidido em escritórios distantes ou em mesas de negociação onde nossos representantes preferem defender seus aliados políticos em vez do povo brasileiro. Justiça social, soberania e desenvolvimento autônomo devem ser o norte de qualquer nação que se pretende livre.