
Profissionais da educação e da saúde que atuam em comunidades indígenas da região da Raposa Serra do Sol, no município de Uiramutã, denunciaram à Folha de Boa Vista a cobrança de uma contribuição financeira imposta por lideranças locais. Segundo o relato, quem se recusa a pagar os valores estabelecidos sofre retaliações dentro das comunidades, incluindo perseguição, avaliações negativas em processos seletivos e impedimentos para participar de concursos públicos.
A denúncia, enviada de forma anônima por um servidor público que pediu para não ser identificado, aponta que a exigência foi determinada por lideranças ligadas ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), por meio de uma carta distribuída em grupos de mensagens das comunidades. O documento, datado de 20 de abril de 2025, é assinado pelo tuxaua geral da região Serra, Djacir Melquior da Silva, e prevê valores específicos para diferentes categorias profissionais.
De acordo com a carta, cada comunidade deveria contribuir com R$ 300. Já os tuxauas, funcionários da saúde e da educação – incluindo professores, merendeiras, vigias, agentes de saúde e técnicos – deveriam pagar R$ 100 cada.
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O documento informa que os recursos seriam destinados à compra de combustível, manutenção de transportes e mobilização de indígenas para um movimento previsto para ocorrer em Boa Vista.
Ainda conforme o denunciante, os profissionais que não contribuem estariam sendo penalizados com notas baixas em avaliações internas vinculadas a concursos e teriam dificultado o acesso a cartas de anuência das comunidades – exigência comum para participação em seletivos da esfera estadual e municipal.
“Se a gente não paga, somos perseguidos. Não quero me identificar porque lutei muito para conseguir esse concurso e tenho medo de perder”, disse o servidor.
Outro lado –
Procurada pela FolhaBV a coordenação geral da Região das Serras enviou a seguinte nota:
Nós, lideranças da Região das Serras, localizada na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, composta por 78 comunidades, vimos, por meio desta nota, esclarecer e repudiar as tentativas de criminalizar e deslegitimar nosso movimento indígena.
Sobre a suposta denúncia de que estamos cobrando contribuições financeiras obrigatórias de servidores e perseguindo aqueles que não contribuem, afirmamos que tal acusação não corresponde à verdade. As decisões sobre contribuições foram amplamente discutidas e aprovadas durante a assembleia regional, com a participação das lideranças, membros das comunidades e dos próprios servidores, seguindo os princípios da nossa política do malocão, que valoriza o diálogo coletivo.
Reforçamos que as contribuições são totalmente voluntárias, realizadas de forma transparente, e não há qualquer tipo de coerção ou perseguição a quem opta por não contribuir.
Destacamos, ainda, que nossas comunidades seguem um modelo próprio de organização social, conforme garantido pelo artigo 231 da Constituição Federal e pela Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que reconhecem a autonomia dos povos indígenas.