Cotidiano

Queimadas e desmatamento em Mucajaí potencializam seca

Moradores de vilas e vicinais da região relatam problemas como a falta de água para o consumo humano, animal e para utilização na agricultura

Para entender a insuficiência hídrica apontada e sofrida por diversos colonos e moradores das vicinais de Mucajaí, a Defesa Civil de Roraima realizou uma ação na zona rural do município. Mesmo num âmbito local, a falta de água em Mucajaí é uma evidência do inverno fraco pelo qual Roraima passa. Os efeitos da intensa estiagem que atingiu o Estado, de fevereiro a maio deste ano, ainda são visíveis.

Durante a ação, realizada na semana passada e acompanhada pela equipe de reportagem da Folha, os moradores de vilas e vicinais da região relataram problemas como a falta de água para o consumo humano, animal e para utilização na agricultura.

Mucajaí abarca o chamado “arco de fogo”, região nos limites oeste e sul da região central do lavrado. A área é suscetível a queimadas, principalmente durante o período seco da vegetação rasteira, provocado pela baixa das chuvas. Algumas regiões serranas, com a ajuda de ventos e espaços abertos, oferecem riscos ainda maiores.

O coordenador da Defesa Civil do município, Antônio Fernandes, explicou que, durante o ápice da seca, eram feitas reuniões de oito em oito dias, onde eram suspendidos os calendários de queimada da região. No entanto, muitos colonos e donos de propriedades rurais, com pressa para realizar a limpeza de suas roças antes da chegada das chuvas, ignoraram as recomendações dos órgãos de controle ambiental.

“Teve um momento em que a situação ficou crítica. Os focos [de incêndio] aumentaram e não tinha jeito de controlar. Quem foi pego fazendo queimada foi multado depois pela Femarh [Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos]”, explicou Fernandes.

Durante a viagem, a equipe pôde flagrar o momento exato em que uma propriedade estava em chamas, já desmatada e ‘limpa’ por alguém. Segundo Fernandes, o autor do fogo provavelmente foi o dono do lote, que não foi localizado. Apesar de proibidas, as queimadas são frequentes em toda a região.

Agora, devido à umidade e às chuvas tímidas, não existe perigo de o fogo se alastrar. Mas é só uma questão de tempo até que o risco de incêndios volte com o verão. O sargento do Corpo de Bombeiros Fernando Saraiva explicou que a Defesa Civil entende que muitas vezes a queimada é o único recurso dos produtores conseguirem limpar suas propriedades, garantindo assim o seu próprio sustento. “Sempre dizemos que não é de competência da Defesa Civil multar ninguém. Nosso dever é estar ali para ajudar no caso de que alguma dessas queimadas saia do controle e se transforme em incêndio”, esclareceu.

Ele declarou, no entanto, que desde o ponto de vista ambiental, a ação é ilegal e deve incorrer em multa para o praticante. O sargento Enisson Rodrigues complementou afirmando que a presença dos bombeiros foi importante na região, uma vez que grande parte das queimadas saiu das áreas pretendidas pelos proprietários. “Em todo o tempo que eu passei atuando contra os fogos neste ano, só vi dois aceiros bem feitos. O resto, infelizmente, só faz o fogo, dá as costas e vai embora. E aí sempre dá no que a gente vê na época: um caos de incêndios que compromete toda a vegetação nativa”, disse.

Num ambiente natural, a presença da vegetação, principalmente de árvores, é importante porque colabora com o sombreamento e cria um ambiente no qual a água consegue penetrar muito mais lentamente no solo e no corpo hídrico da região, que infiltra mais e consequentemente faz a recarga de mananciais e do sistema de rios na superfície, o que garante sua provisão ao longo do tempo. Com o desmatamento, ao finalizar o período de chuvas, a água acaba rareando pela ação do calor solar, sem poder sequer chegar às nascentes e rios.

O coordenador da Defesa Civil municipal afirmou que o Estado precisa dar cada vez mais uma resposta à situação das queimadas, de maneira a evitar que aconteçam e danifiquem o bioma amazônico. “Isso não pode acontecer de maneira alguma. A gente já está vendo os estragos. Eu sou do Nordeste. Quando estava lá, vi o Ceará pegar fogo. Depois aconteceu a mesma coisa no Piauí e logo no Maranhão. Será possível que eu vou ver a mesma coisa aqui em Roraima?”, questionou. “Mas eu faço parte da Defesa Civil. Apesar dos meus 78 anos, ainda estou otimista. Nós podemos fazer um bom trabalho e melhorar a vida de toda essa gente”, concluiu. (J.P.P)

Inverno fraco ‘estende’ a temporada de estiagem

Nesta temporada, o inverno está mais fraco do que no ano passado. Até o momento, os valores pluviométricos mensais estão abaixo dos que foram registrados no período de chuvas anterior. O meteorologista da Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh), Ramón Alves, afirmou que a normal climatológica do mês de julho é de 330 milímetros. “Já passamos da metade do mês e não chegamos, sequer, aos 100 mm. E em junho só tivemos 220 mm”, disse.

A causa das poucas chuvas se deve ao fenômeno El Niño. “O Oceano Pacífico Equatorial está aquecido, com 2° C a 3° C acima da média. Isso influencia bastante o regime de chuvas em nossa região. Então, num efeito em longo prazo, o próximo período de seca deve vir com mais intensidade do que a habitual”, afirmou Alves.

O meteorologista ressaltou que as chuvas não deixarão de cair na estação, ainda que em menor frequência. “Do ponto de vista meteorológico, não há muito o que fazer, a não ser esperar por alguma melhoria. A esperança é que chova mais ainda neste mês. Sobre as ações humanas, a questão do desmatamento das matas nativas também influencia muito nos reservatórios locais de água”, frisou. (J.P.P)

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