Cotidiano

Prestes a completar dez anos, lei pode sofrer modificações

Alteração permite conceder medidas protetivas urgentes a vítimas de violência doméstica

Prestes a completar dez anos, a lei de número 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, pode sofrer alteração em razão de um projeto de lei que se encontra em tramitação no Congresso Nacional. A principal mudança visa permitir ao delegado de polícia conceder medidas protetivas de urgência a mulheres vítimas de violência doméstica e a seus dependentes.

Normalmente, a mulher em situação de violência comunica o fato ao órgão competente e, dependendo da conjuntura e da urgência na adoção de alguma providência, é solicitada a medida protetiva de urgência, como o afastamento do infrator do lar, a proibição de aproximação da mulher e dos familiares, proibição de frequentar locais habitualmente frequentados pela mulher e, se necessário, a suspensão de visita aos filhos.

Com o uso ativo das redes sociais, também é feita a proibição de contato seja por SMS, WhatsApp e demais redes sociais. Essas medidas são tomadas para proteger a denunciante até que o resultado do processo seja concluído. Em caso de risco de vida, há ainda a possibilidade de internação em um abrigo específico por um determinado período, até que a mulher sinta segurança em voltar à sociedade.

Segundo a delegada da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), Verlânia Assis, todas as medidas cautelares são feitas na delegacia e encaminhadas ao juizado, que concede a medida. Em Boa Vista, a resposta acontece de imediato pelo Juizado de Violência Familiar e Doméstica Contra a Mulher, e por lá o juizado intima o infrator da ordem proibitiva por meio dos oficias de justiça.

“Com a alteração, o prazo é completamente encurtado porque o delegado passa a ter a condição de tomar as medidas cabíveis de acordo com a situação no ato do comparecimento da vítima à delegacia. Toda a celeridade possível no atendimento da vítima nesse ambiente doméstico familiar é sempre benéfica, porque ela vem na delegacia e muitas vezes o cidadão está em casa, então nós conseguimos tirá-lo de imediato se for o caso”, relatou.

Em Roraima, existe a patrulha Maria da Penha, um programa que acompanha a mulher em situação de violência depois da comunicação que o cidadão recebeu a ordem para ficar longe da vítima e há o descumprimento da ordem. De acordo com a delegada, havendo o descumprimento reiterado, é solicitada a prisão preventiva do infrator.

Conforme relato da delgada, são recebidas, em média, de oito a 12 ocorrências diárias, sem contar com as outras unidades e o plantão noturno, na Central de Flagrantes. Além da DEAM, a denunciante pode se valer de qualquer delegacia policial para registrar o fato, uma vez que de lá o caso é encaminhado para a DEAM. A grande maioria das ocorrências é decorrente de ameaça, por ser extensa em possibilidades, e em segundo, caso as agressões físicas.

PREVENÇÃO – De acordo com a delegada Verlânia Assis, a primeira orientação é na questão preventiva. Deve-se ter cuidado nas relações interpessoais, é importante saber se há um desgaste natural ou dependência química, uma vez que os fatores vão desencadear em violência doméstica. “A mesma traz consequências gravosas porque a violência é contra a mulher e junto estão os filhos, que vivenciam todo o ambiente”, relatou.

Quando a mulher em situação de violência se dirige à DEAM, a ocorrência é registrada, é realizado o exame de corpo de delito e ela é encaminhada a órgãos específicos, dependendo da conjuntura. “A delegacia é a porta de entrada. Daqui são feitos os encaminhamentos necessários”, frisou a delegada.

DENUNCIE – A mulher que sofre qualquer tipo de violência, seja agressão ou ameaça, deve se dirigir a qualquer delegacia próxima. Em Boa Vista, a Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM), localizada na rua Nelson Albuquerque, 340, no bairro Liberdade, zona Oeste, funciona em regime de 24h por dia. Além disso, a denunciante pode discar para a Polícia Militar pelo 190, Disque 100 ou dirigir-se ao Centro Humanitário de Apoio à Mulher (CHAME), localizado na rua Coronel Pinto, 524, Centro. Uma vez noticiado o fato, são tomadas as providências.

Quase 2.300 casos foram registrados nos três primeiros meses do ano

A Secretaria estadual de Segurança Pública (SESP) informou que, com relação aos crimes praticados contra a mulher no ano de 2015, foram registrados 4.069 casos de crimes qualificados, como abandono de incapaz, ameaça, calúnia, constrangimento, difamação, morte sem causa conhecida, homicídios, injúria, lesão corporal, maus tratos, rixa, sequestro/cárcere privado, suicídio e tentativa de suicídio, “sendo que deste quantitativo as maiores incidências são de ameaça (2.124), lesão corporal (1.052) e injúria (435)”.

Os registros da Sesp apontam que no mesmo ano os crimes contra a liberdade e a dignidade sexual foram ao todo 217. Os dois quantitativos resultam em 4.286 ocorrências de crimes contra a mulher, abrangendo inclusive quatro casos de homicídio.

Já em 2016, no período que compreende de janeiro a março, os registros apontam 2.198 casos de crimes contra a pessoa, com incidência maior para casos de ameaça (960), lesão corporal (652) e injúria (377) e 95 casos de natureza sexual, totalizando 2.293 ocorrências registradas na Capital e nos interiores.

“Importante frisar que não há registros de homicídio no primeiro trimestre do ano. Quanto aos dados referentes ao primeiro semestre (de janeiro a julho), informamos que o Departamento de Estatísticas da Sesp está compilando os dados recebidos das Delegacias”, finalizou. (A.G.M)

Para coordenadora estadual, alteração na lei é retrocesso

A coordenadora estadual de políticas públicas para a mulher, Maria Eva Ferreira, é contra a alteração que pode entrar em vigor na Lei Maria da Penha de que o delegado policial passará a ter direito de conceder medidas protetivas a mulheres em situação de violência. Conforme relato da coordenadora, dentro da lei está dizendo que é um poder do juiz emitir essa medida, ou seja, a autonomia do delegado já está em outro patamar.

“Eu considero que essa questão é um retrocesso da lei e penso que deveria ser reavaliada essa questão no sentido de não haver mudança. A lei é considerada uma das maiores conquistas e representa o reconhecimento da necessidade por parte do poder público e instituições sobre a importância desse tema para combater essa realidade”, relatou.

A coordenadora disse que em relação às outras questões que estão em andamento, como o tratamento dos homens, uma vez que geralmente são presos e encaminhados ao sistema carcerário e lá não têm nenhuma reeducação, considera que tem que haver políticas voltadas a esse aspecto para ressocializar e fazer com que esse homem tenha outro olhar para a mulher em questão.

“Ele está preso, mas um dia vai sair, conhecerá outra mulher e esta provavelmente será outra vítima dele. Outra questão que está em trâmite é o fortalecimento das DEAM’s, sobre esse ponto eu sou a favor, claro”, disse.

De acordo com Eva Ferreira, em alguns estados a medida protetiva pode demorar de 15 a 30 dias para sair. Com o documento, ela está segura diante da justiça, podendo ser levada ao abrigo, se for do interesse.

“Em Roraima, a medida sai em 24h no máximo, é muito relativo. Há alguns questionamentos. Sabe-se que é preciso o fortalecimento da DEAM, apesar de já ter regime de funcionamento 24h, diferente de outros estados do Brasil. Há um organismo de política às mulheres que trabalha com o empoderamento delas e temos avançado. Se fosse para falar do fortalecimento da mulher no âmbito estadual, já temos muitos avanços. Em algumas questões não concordamos. Se a lei está sendo alterada agora, já estamos considerando retrocesso porque a autonomia do delegado é fazer outros procedimentos”, frisou.

CASA DA MULHER BRASILEIRA – A Casa da Mulher Brasileira (CMB), um dos eixos do programa “Mulher, Viver sem Violência”, coordenado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, facilita o acesso aos serviços especializados para garantir condições de enfrentamento à violência, o empoderamento da mulher e sua autonomia econômica.

Integrará no mesmo espaço serviços especializados para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres, como acolhimento e triagem, apoio psicossocial, delegacia, juizado, Ministério Público, Defensoria Pública, promoção de autonomia econômica, cuidado das crianças – brinquedoteca, alojamento de passagem e central de transportes.

Segundo Eva Ferreira, Roraima terá uma dessas instituições. “Quando a governadora entrou, foi uma das primeiras questões trabalhadas, de trazer esse projeto para ser implementado no Estado”, disse. O término da obra está previsto para daqui um mês e meio, mas a inauguração ainda não tem data definida, uma vez que há dependência de recursos federais e não há repasse definido.

Durante dois anos a Casa da Mulher Brasileira será mantida com repasses federais e o Governo do Estado entrará com outros aspectos, como a DEAM e outras instituições que atuarão dentro da casa.

Apesar do índice de violência, que de acordo com pesquisa realizada de 2010 a 2013 sobre o mapeamento de violência Roraima estava em primeiro lugar em homicídio, haverá na Casa um espaço de 800 m² destinados à DEAM. “Na época, associamos essa posição do Estado a organismos públicos que trabalhassem essa questão e falta de informação das mulheres, mas já avançamos muito”, relatou.  (A.G.M)

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