O início da Rede de Sementes da Serra da Lua (Ressel) foi celebrado com um plantio coletivo que reuniu indígenas Macuxi e Wapichana no município do Cantá, região central das Terras Indígenas Tabalascada, Canauanim e Malacacheta. A atividade simbólica, conhecida como muvuca de sementes, marcou o primeiro passo da rede no trabalho de restauração ecológica e valorização dos saberes tradicionais.
Formada por 38 coletores indígenas, a Ressel nasce com o propósito de reunir e multiplicar sementes nativas da floresta, articulando cuidado com o território e autonomia comunitária. A primeira semeadura utilizou 20 quilos de sementes distribuídos em meio hectare, próximo à Casa de Sementes, espaço que vai funcionar como ponto de armazenamento e organização do material coletado.
“Desde que o projeto começou, estamos trabalhando para chegar a esse momento de conexão com a natureza. É um ponto de partida”, afirmou Alcineia Pinho Cadete, coletora e representante da comunidade Canauanim.
A escolha do local não foi por acaso. Situada no ponto central das três comunidades, a área tem valor simbólico para os coletores. “Representa o território comum, onde todos os caminhos se encontram. E tem ainda mais força porque foram os próprios coletores que colheram e agora estão plantando essas sementes”, explicou Emerson Cadete, analista técnico do Instituto Socioambiental (ISA), organização que acompanha a rede e integra o Redário.
Até o momento, a Ressel já reuniu cerca de 270 quilos de sementes de 32 espécies nativas de Roraima. As sementes usadas na primeira muvuca foram selecionadas com base na diversidade ecológica e nos serviços ambientais que podem oferecer à região — como alimentação, sombra e matéria-prima para construção. Entre elas estão espécies como pau-rainha, caju, taperebá, copaíba, ipê-amarelo, murici, jenipapo e jutaí.
O plantio coletivo foi precedido por um café da manhã comunitário, seguido de falas de lideranças locais, representantes do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e técnicos do ISA. Os participantes também visitaram a Casa de Sementes, que deve funcionar como base para o armazenamento e a troca de sementes entre as comunidades.
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Para o tuxaua da comunidade Canauanim, Helinilson Nicacio Cadete, a participação da juventude será essencial para a continuidade do projeto. “Gostaria que todos conhecessem mais esse trabalho e entendessem a importância de reflorestar. Tenho certeza de que, daqui a dez anos, veremos um resultado excelente no combate às queimadas e derrubadas em nosso território”, afirmou.
Conhecimento ancestral
A atuação da Ressel está em fase de estruturação para se integrar ao Redário, articulação nacional que conecta 27 redes de sementes em diferentes regiões do Brasil. A iniciativa apoia grupos de coletores na produção de sementes de qualidade, movimenta o mercado de restauração ecológica e fortalece práticas comunitárias de cuidado com o território.
“Ser coletor já somos há muito tempo, por sermos indígenas, por essa vivência com a natureza. Desde a infância usamos sementes em nossos artesanatos e na medicina tradicional. Agora, com esse projeto, elas também servem para reflorestar áreas degradadas”, definiu Alcineia.
Cada uma das comunidades da Ressel possui um Elo, responsável por articular os coletores e fazer a ponte com a Casa de Sementes. “É esta pessoa que faz toda a ligação. Toda semente que chega à casa é verificada pelo Elo”, explicou Juberlita Rocha, representante da comunidade Tabalascada.
Em 2024, o Redário movimentou mais de 106 toneladas de sementes, sendo 18 toneladas comercializadas diretamente, com a participação de mais de 2.500 pessoas — mais da metade delas, mulheres.