Cotidiano

Para socióloga, debate sobre racismo precisa ser mais amplo

Sociedade brasileira ainda se recusa a conversar sobre problemas causados por desigualdade racial, diz socióloga

“Muito já mudou, mas ainda não é o suficiente”. A afirmação é da socióloga Franci Rodrigues, sobre o Dia Nacional da Consciência Negra. Celebrado no dia 20 de novembro, a data foi escolhida por movimentos sociais para homenagear a resistência afro, principalmente das pessoas que morreram com a violência contra negros e escravos no Brasil nos últimos anos.

Desde 1978, quando a data ganhou referência nacional, o debate sobre o papel de negros na sociedade tem sido ampliado e como a história da escravidão continua perpetuando até os dias atuais, esse tema é sempre pertinente. “É a base da estrutura social-política deste país. Se olharmos os dados, as pessoas que são vitimizadas ou envolvidas nas estatísticas de violência são negros e pobres”, relatou a socióloga, que também é professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR).

Segundo a especialista, a data é importante também para que haja uma rememoração sobre esse cenário em que os negros enfrentam diariamente, com discriminação e racismo. “De certa forma, a gente corrobora com isso. É que os negros foram libertados, mas não foram inseridos socialmente, nem mesmo nas relações capital-trabalho. Então a nossa herança histórica traz um problema que se reflete hoje ainda nesse segmento étnico”, explicou.

A socióloga pontuou que essas desigualdades raciais passam por diversas classes e gêneros e formam uma estrutura social brasileira que está diretamente ligada a questões de violência e mortes de jovens negros. Para ela, o debate sobre a consciência negra é fundamental para que esses danos sejam minimizados nos âmbitos social e cultural.

Especialista diz que políticas públicas são insuficientes

Franci destacou que os poucos investimentos nas políticas públicas também colaboram para que as desigualdades no Brasil continuem a crescer e ficar cada vez mais distante a possibilidade de uma sociedade igualitária.

Para ela, algumas ações podem minimizar o que chama de “reparação histórica entre brancos e negros”. O sistema de cotas nas universidades é um deles, alvo de grandes críticas em diversos âmbitos. Contudo, para a especialista, é uma forma de promover algum tipo de equiparação das mesmas oportunidades para pessoas que tiveram distintas vivências por conta da raça. “Os negros, que têm que trabalhar desde criança para sobreviver, possam vir a ter a mínima condição de entrar em uma universidade, concorrendo com o filho do branco que estudou em escola privada desde o pré-escolar”, enfatizou.

CULTURAL – Além do pouco investimento em políticas públicas em várias áreas de conhecimento, a especialista criticou a formação do pensamento brasileiro em relação aos povos negros. “Somos um país racista que nega que é racista. Mudar culturalmente essa concepção é mais difícil”, relatou.

Franci apontou que após essas políticas públicas em vigência, é possível ver os resultados positivos, como maior número de negros em universidades e até em cargos importantes de poder, mas que ainda são poucos. Um meio encontrado seria o incentivo, desde muito cedo, com as crianças, sobre a temática e o respeito das diferenças sociais.

Miss Beleza Negra afirma que protagonismo ainda é pouco

Coroada neste ano como Miss, estudante de jornalismo levanta debate sobre consciência negra no país (Foto: Priscilla Torres/Folha BV)

Para a nova Miss Beleza Negra de Roraima, a estudante de jornalismo Rafaela André, ainda há pouco espaço para o protagonismo negro. Isso é demonstrado com a falta de programações especiais no Dia da Consciência Negra. “É importante valorizar a cultura local, mas principalmente reconhecer a influência negra nestes costumes. Então, é isso que está faltando, reconhecimento”, disse.

Em relação à data, afirmou que já houve muitas conquistas, mas que são pouco significativas no meio social atual. “A data em si não é comemorativa, pois foi instituída como uma forma de gerar reflexão sobre a inserção do negro na sociedade. Até hoje convivemos com as desigualdades sociais provenientes desse período, ainda ocupamos poucos espaços. Não representa muito quando se trata de aproximadamente 54% da população negra. Ou seja, o que vamos comemorar?”, questionou.

Rafaela finalizou afirmando que a luta negra continua e que todos os dias deveriam ter o mesmo foco sobre a consciência negra, ou seja, lutando contra o racismo, preconceito e desigualdades disseminados por séculos.

PROGRAMAÇÃO – A equipe de reportagem entrou em contato com o Governo do Estado para saber se haveria alguma programação especial para a data e foi informada que nada seria feito.

Nossa reportagem não conseguiu resposta da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e da Prefeitura de Boa Vista sobre a possibilidade de celebração do Dia da Consciência Negra. (A.P.L)