Cotidiano

MPF aponta ilegalidades e pede tradução de documentos

Órgão recomenda que documentos vinculados ao Projeto Básico Ambiental da obra sejam traduzidos integralmente para a língua dos kinja, como se autodenominam os Waimiri-Atroari

Todos os documentos e observações vinculados ao Projeto Básico Ambiental – Componente Indígena (PBA-CI) da linha de transmissão do Linhão de Tucuruí, entre Manaus e Boa Vista deverão ser traduzidos integralmente para a língua dos kinja, como se autodenominam os waimiri atroari, e apresentados em versão consolidada aos indígenas em reunião.

É o que recomenda o Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para garantir que o processo de consulta ao povo indígena atenda os procedimentos previstos na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho.

A recomendação traz um histórico das diversas tratativas mediadas pelo MPF entre os indígenas kinja, o consórcio responsável pela obra e o governo brasileiro e detalha registro da reunião mais recente, ocorrida entre 12 e 15 de novembro de 2019, durante a qual foram apresentados aportes e considerações pela Funai e pela consultoria ambiental que não faziam parte do projeto principal.

Para o órgão, o estudo do componente indígena do projeto básico ambiental é documento importante para o aprofundamento do processo de consulta prévia, livre e informada, uma vez que é a primeira vez que os indígenas poderão conhecer e analisar estudos concretos sobre os impactos da linha de transmissão em relação ao grupo indígena e medidas de mitigação e proteção.

Conforme registra o MPF, já nessa reunião, que seria a primeira de apresentação do projeto, a presidência da Funai indicou que o encontro serviria não só para apresentar, mas também validar o projeto, o que foi contestado pelo representante do ministério público e pelos indígenas. Diferentemente do projeto básico em si, esses documentos não foram traduzidos para a língua kinjara, o que, segundo o órgão, impede que os indígenas tomem conhecimento da versão atualizada do PBA-CI e possam dar início aos processos de discussão nas aldeias previstos no protocolo de consulta do grupo de maneira informada.

Além da tradução integral e apresentação desses novos aportes do projeto aos indígenas, a recomendação expedida pelo MPF no último dia 14 de novembro requer ainda que a Funai e o Ibama elaborem, no prazo de 45 dias, esclarecimentos técnicos sobre os impactos da ausência dos estudos de topografia no empreendimento, já que o projeto básico não indica a localização exata das 250 torres de transmissão previstas pelo empreendimento. Nesse sentido, o órgão pede que sejam apontadas as razões para a ausência do local exato das torres de transmissão.

Conforme recomenda ainda o MPF, Funai e Ibama devem se abster de emitir qualquer aval, autorização ou ato administrativo de caráter concessivo, referente à continuidade do licenciamento ambiental do projeto da Linha de Transmissão Manaus – Boa Vista, especialmente para fins de concessão de licença ambiental de instalação do empreendimento, sem que se obtenha o consentimento do povo Waimiri Atroari, de forma livre, prévia, informada e segundo as diretrizes de seu protocolo de consulta.

Ações na Justiça – A necessidade de consulta prévia, livre e informada ao povo Waimiri Atroari motivou o MPF a ajuizar duas ações para impedir o prosseguimento das medidas para implementação do trecho do Linhão de Tucuruí sem a manifestação dos indígenas.

Nos dois processos, a Justiça Federal em Manaus deu razão ao MPF, ordenando a anulação do leilão que teve como vencedora a concessionária Transnorte Energia para a execução da obra. Também foi anulada a licença prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama).

Em junho deste ano, os processos chegaram à segunda instância e as ações foram julgadas em conjunto pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília. Apesar de o julgamento ainda não ter sido concluído por ausência de resultado unânime, todos os desembargadores reconheceram, em seus votos, que os indígenas deverão ser consultados antes da próxima etapa do licenciamento ambiental.

O julgamento deverá ser retomado, dessa vez com cinco desembargadores, para que o Tribunal aponte uma conclusão sobre os casos e apresente decisão sobre o pedido da nulidade do leilão e sobre o momento de realização da consulta. Ainda não há previsão de data para a retomada da apreciação dos processos.