Cotidiano

Morreram 170 bebês e 90 fetos na maternidade em 2019

ANA GABRIELA GOMES

Editoria de Cidade

”  #SEMTEMPO

No total, foram mais de 1,6 mil óbitos de recém-nascidos e fetos e 934 de mães e mulheres em idade fértil nos últimos 5 anos. Maioria de mortes é de crianças com má formação congênita de mães imigrantes que não tiveram acompanhamento pré-natal  “

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), um dos indicadores da qualidade da assistência prestada à gestante e ao parto é a taxa de mortalidade fetal. No entanto, índices da Secretaria de Saúde Estadual (Sesau) mostram que o suporte prestado durante e após a gestação precisa melhorar em Roraima. 

Conforme dados da Secretaria de Saúde de Roraima (SESAU), conseguidos com exclusividade pela Folha de Boa Vista, o número de mortes de bebês na maternidade foi de 170 em 2019. Somado a este número, 90 fetos foram abortados. Em 2018, os números são mais chocantes. Ocorreram 263 óbitos de crianças de até um ano, sendo 111 na capital; 129 óbitos fetais, no mesmo período, e 10 óbitos de mães, além de 226 de mulheres em idade fértil (até os 49 anos, aproximadamente).

Nos últimos cinco anos, foram registrados mais de 1,6 mil óbitos fetais e infantis e 38 óbitos de mães. 896 mortes de mulheres em idade fértil foram registrados pela Maternidade. 

“O que falta no Estado é uma política de saúde adequada à realidade de Roraima. Ou pelo menos se cumprir o Sistema Único de Saúde (SUS) como política de Estado, respeitando seus princípios”, explicou a médica que trabalha no Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth e conversou com a Folha a respeito dos índices de óbitos de fetos, crianças de até um ano, mães e mulheres em idade fértil naquela unidade. A médica não quis se identificar com receio de represálias.

O Centro de Referência de Saúde da Mulher, por exemplo, não faz a parte da investigação realizada pela Sesau, segundo a denunciante. “A gente acredita que deve haver um treinamento para investigação do óbito nas comissões de mortalidade materna indicada pela prefeitura. Não há capacitação para diagnóstico precoce ou investimentos na qualificação de profissionais para diminuir esses dados”, esclareceu.

A médica destacou que a Capital está organizada no acompanhamento dos óbitos, mas que o pré-natal oferecido não é de qualidade. Em sua avaliação, um dos principais problemas para os índices gira em torno da falta de assistência ao parto e ao puerpério, principalmente em relação às gestantes imigrantes, que chegam à unidade com diversas doenças que podem levar à morte. 

Segundo relato, a maioria das gestantes imigrantes não têm prontuários junto à Atenção Básica. “A imigração hoje é o maior desafio. Elas vêm sem informação nenhuma e acabam tendo complicações graves. A maternidade, por sua vez, não tem estrutura para receber esses problemas, como também não tem equipes treinadas ou leitos suficientes para esse acolhimento”, explicou. No geral, as principais causas de mortes entre mulheres são eclampsia (convulsões) e hemorragia.

Mulheres indígenas – Entre os perfis, as mulheres indígenas são as que mais morrem, representando 40% dos óbitos. Para ela, é preciso investir em qualificação e leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “É quase um genocídio! A redução mostra que houve uma subnotificação por falta de investigação, porque para investigar precisa investir nos comitês de mortalidade materna com carros, computadores e pessoal treinado, e isso não existe”, afirmou a médica.

Para reduzir a morte materna, a médica informou que o Ministério da Saúde tem implementado políticas para fortalecer a humanização do atendimento das gestantes, a melhoria da atenção pré-natal, nascimento e pós-parto, assim como instituir medidas de orientação e qualificação dos profissionais de saúde, tanto no âmbito da atenção básica como naquele de urgência e emergência. Associadamente, o fortalecimento das ações da Comissão Nacional de Mortalidade Materna e dos Comitês Estaduais e Municipais de Investigação do Óbito Materno é outra importante estratégia em curso. “Essas ações em Roraima são estranguladas por falta de conhecimento das equipes indicadas a gerenciar os programas. Fato!”, concluiu.

Pré-natal ajuda mães e bebês, alerta médica

A morte materna é qualquer morte que ocorre durante a gestação, parto ou até 42 dias após o parto. Ela pode ser decorrente de qualquer causa relacionada ou agravada pela gravidez, porém não devida a causas acidentais ou incidentais. Cerca de 92% das mortes maternas são por causas evitáveis e ocorrem, principalmente, por hipertensão, hemorragia ou infecções.

“Daí a importância de a gestante procurar uma unidade de saúde para iniciar o pré-natal o mais precocemente possível, sendo avaliada por um profissional que possa identificar a necessidade de assistência mais especializada e de maior complexidade. Essa avaliação vai indicar se a gravidez dela é de risco ou não”, disse a médica.

Durante a gravidez, é importante também que as mulheres estejam atentas aos sinais de dor de cabeça ou dor na nuca, visão turva, sangramento pela vagina ou febre. Nestes casos, é necessário buscar com rapidez uma unidade de saúde mais próxima. Outros sinais que também devem alertar a gestante a procurar assistência, a fim de diminuir os riscos para si própria como para o bebê, são inchaço nas pernas ou braços, corrimento ou secreção vaginal com odor desagradável, ardor ao urinar.

Na capital, a médica destacou não haver um centro de maior complexidade para atender casos mais graves. “Só tem a maternidade, sucateada, sem equipe e sem material, que sobrecarrega e não se adequa”, pontuou.

Prefeitura diz que oferece pré-natal. Governo não responde


Frente ao caso, a Secretaria Municipal de Saúde informou que atua com os serviços que são de responsabilidade da atenção básica, oferecendo pré-natal em todas as Unidades Básicas de Saúde (UBS). Esclareceu ainda que o número de consultas durante a gravidez aumentou em 42,6% do ano passado para cá. Enquanto de janeiro a 22 de dezembro de 2018 foram 38.811 mil consultas de pré-natal. No mesmo período deste ano, o número chegou a 55.356 mil. A nota declarou que o município realiza encontros entre grupos de gestantes, consultas de puericultura e oferece os serviços do programa Família Que Acolhe, que atende milhares de grávidas, inclusive com palestras e orientações sobre os cuidados durante a gravidez. Ainda sobre os índices, a Secretaria destacou que o período a partir de 2015 foi o início da chegada de milhares de estrangeiros a Boa Vista e que muitas famílias estrangeiras tomam paradeiros desconhecidos após darem a luz, o que dificultou o monitoramento dos recém-nascidos. “A Prefeitura orienta que as mães não deixem de procurar os postos para um melhor acompanhamento da saúde dos filhos”, finalizou a nota.

GOVERNO – A reportagem entrou em contato com a Sesau, mas até o fechamento desta matéria não obteve resposta.