Cotidiano

Juiz afirma que é preciso encontrar local para abrigar crianças em risco

Grande número de indígenas venezuelanas com crianças nos semáforos da Capital motivou ação movida pelo Ministério Público

O juiz Parima Veras, da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Boa Vista, disse que a ação do Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR), que pede a tutela de urgência para crianças e adolescentes cujos pais pedem esmola nas ruas e semáforos, serve para apoiar o trabalho que já vem sendo realizado pela Justiça roraimense em favor da infância, mas que neste momento não é ideal porque não haveria lugar para abrigar todos os menores.

Segundo ele, as cenas de mulheres indígenas pedindo esmola a motoristas, com crianças no colo, expostas ao sol e aos perigos do trânsito, têm aumentado nos últimos meses. Lembrou que essas indígenas são vítimas da crise venezuelana e acharam em Roraima uma chance de sobrevivência. Assim como outros indígenas, elas vinham antes para Roraima apenas para vender artesanato, mas depois optaram por retornar definitivamente.

“Quando iniciou essa imigração massiva de indígenas venezuelanos, no início do ano, intensificamos o nosso trabalho. Além da Vara, o Tribunal de Justiça conta com a Divisão de Proteção à Criança e Adolescente.

Produzimos vários relatórios de acompanhamento, chegamos a enviar esses indígenas de volta pelo menos três vezes para a Venezuela, junto com a Funai [Fundação Nacional do Índio] e Polícia Federal”, explicou.

No entanto, as dificuldades que o país vizinho enfrenta, principalmente o racionamento alimentício, fez com que os indígenas voltassem para Roraima, desta vez trazendo ainda mais familiares e expondo crianças e adolescentes a situações de vulnerabilidade social. “A ação do MP vem como auxílio. Antes da imigração venezuelana, era extremamente difícil ver crianças nas ruas de Boa Vista. Sempre em parceria com o Conselho Tutelar, trabalhamos para garantir os direitos protetivos dessas crianças. Só que agora a situação é mais delicada e estamos lidando com muito mais gente. Não temos competência e atribuição com os adultos, e claro que não podemos retirar as crianças da mãe”, explicou.

O magistrado lembrou que a ação do MPRR pediu a tutela de urgência dos menores de idade em situação de risco e vulnerabilidade. Caso a ação fosse acolhida pela Justiça, as crianças e os adolescentes deveriam ser encaminhados a instituições de abrigamento de Boa Vista. No entanto, o juiz entende que essa não é a melhor decisão a ser tomada.

“Cada abrigo de Boa Vista tem capacidade para atender uma média de 30 crianças. Não há estrutura para a quantidade de migrantes que temos hoje aqui. E não podemos separar essas crianças da mãe. São indígenas de etnias diferentes, nem todos se dão bem. O que estamos fazendo agora e tentando resolver o mais rápido possível, junto com a Defesa Civil de Roraima, é encontrar um local ideal e que dê o apoio necessário a essas pessoas, principalmente às crianças”, disse.

A primeira opção do juiz seria a Casa de Cura, pertencente à Diocese de Roraima, localizada no trecho sul da BR-174, mas o local está alugado. “Estamos lidando com pessoas pobres, que estão enfrentando dificuldades no seu país, passando fome, às vezes doentes e que precisam de apoio. A maioria desses indígenas hoje dorme nas feiras, rodoviária e terminais de ônibus. O quanto antes arrumarmos um local com boas condições para acomodá-los, melhor”, frisou.

Durante entrevista à Folha, o juiz disse que a primeira audiência envolvendo os três poderes será realizada ainda esta semana, se possível antes do feriado de Nossa Senhora da Conceição, dia 8, para tentar solucionar o problema. “Enquanto não acharmos esse local, os venezuelanos estão contando com todo o apoio do Centro de Referência ao Imigrante. Lá eles podem tomar banho, fazer refeições e ainda contar com alguns serviços. O Centro foi montado justamente para dar suporte a essas pessoas”, destacou Parima Veras.

Centro de Referência ao Imigrante atende mais de 200 pessoas por dia

O Centro de Referência ao Imigrante começou a funcionar no dia 29 de novembro, na sede do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil em Roraima (Sintracomo), no bairro São Vicente, zona Sul, como ponto de referência às pessoas que buscam refúgio em Roraima. Lá são prestados serviços médicos, odontológicos e alimentação durante o horário do almoço e do jantar.

O funcionamento do local fica por conta do Gabinete Integrado de Gestão Migratória da Defesa Civil, da Federação Humanitária Internacional e o Serviço Social do Comércio (Sesc), além de voluntários em geral nas atividades rotineiras do Centro, prestação de serviços e de fornecimento de alimentação.

De acordo com Vera Noronha, representante da Federação Humanitária, o Centro recebe venezuelanos índios e não índios, muitos, inclusive, se tornaram voluntários. “Hoje muitos dos refugiados vêm para cá ajudar também. Eles não podem dormir aqui no Centro, porque não temos condições e nem acomodações, então vão para alojamentos ou para as feiras e rodoviária. São vários os serviços oferecidos e tudo com ajuda de voluntários”.

Por conta da interação frequente com os indígenas venezuelanos, Vera afirmou que conhece um pouco mais da realidade deles e de onde a maioria veio. “São duas etnias diferentes: Warao e Tamari. Eles viviam em comunidades próximas a Ciudad Bolívar e Valência. É um pouco longe daqui, então eles juntavam um dinheirinho e vinham até Pacaraima [na fronteira com a Venezuela, Norte do Estado]. Alguns chegaram a vir a pé de Pacaraima até Boa Vista”, relatou.

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