ACOLHIMENTO MATERNO

Filhos Invisíveis: projeto acolhe mães que perderam bebês e transforma dor em memória

Iniciativa criada por duas mães que também vivenciaram o luto busca ressignificar a dor e eternizar a memória de bebês que partiram cedo demais

"Foi pouco tempo, mas foi um tempo só nosso”, disse Thays Oliveira, uma das mães que recebeu apoio do projeto. (Foto: Yasmin Denizard)
"Foi pouco tempo, mas foi um tempo só nosso”, disse Thays Oliveira, uma das mães que recebeu apoio do projeto. (Foto: Yasmin Denizard)

Um carimbo dos pezinhos, uma fotografia, um fio de cabelo, um passarinho de crochê. Memórias delicadas que ajudam a eternizar vidas breves demais. Assim funciona o “Projeto Filhos Invisíveis”, iniciativa idealizada pela fotógrafa Yasmin Denizard e pela estudante de Medicina Jade Forechi, que há dois anos oferece acolhimento gratuito a famílias que enfrentam a perda gestacional ou neonatal em Boa Vista.

O projeto surgiu de um encontro casual entre as duas, durante a organização do lançamento do livro de Jade. “Nesse café, conversando, entendemos que tínhamos muita história em comum. As duas já tinham se despedido de filhos. E a gente também tinha esse desejo de acolher outras mães, porque nós mesmas nunca tivemos acolhimento nas nossas perdas”, relatou Yasmin.

Yasmin Denizard e Jade forechi, idealizadoras do projeto. (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

A atuação do grupo começa assim que recebem o chamado por profissionais de saúde das maternidades ou pelas próprias famílias. “Quando a gente recebe a notícia de que a mãe vai perder o bebê ou ele já está em óbito dentro da barriga, vamos até a maternidade e apresentamos as possibilidades para ela”, explicou Jade.

Entre os serviços oferecidos estão o registro fotográfico, a coleta das impressões dos pés e mãos do bebê, a confecção de uma caixa de memórias e a entrega de um passarinho de crochê – símbolo do projeto. Tudo é gratuito.

“A maioria das famílias aceita e elas ficam completamente emocionadas com esse acolhimento. Essa lembrança ajuda muito na elaboração do luto”, destacou Yasmin.

‘Achei que só teria lembranças na memória, mas elas fizeram diferente’

Entre as famílias acolhidas pelo projeto está a da Thays Oliveira, que conheceu o Filhos Invisíveis em junho de 2024, data em que perdeu sua filha. Ela conta que estava em choque ao receber a notícia do óbito e não sabia como reagir, até ser abordada por uma das fundadoras do projeto.

“Logo depois de receber a notícia, a Jade entrou no quarto, se apresentou e, naquele momento tão doloroso, trouxe conforto. Achei que só teria lembranças na memória, mas elas fizeram diferente”, relatou Thays.

A partir desse encontro, ela teve acesso ao acolhimento que transforma a dor em memória concreta. Thays pôde vestir a filha, segurá-la no colo e registrar esse momento em fotografias. “A presença delas me fez sentir acolhida. Aquela dor profunda foi, de alguma forma, suavizada. Consegui ver o rostinho da minha filha, lembrar de cada detalhe, e isso me trouxe paz”, contou.

Caixinha que a Thays recebeu no acolhimento. (Foto: Yasmin Denizard)

Segundo ela, todos os elementos vivenciados naquele momento foram reunidos em uma caixinha confeccionada pelo projeto. “Hoje essa caixinha virou algo muito especial pra mim. Representa que não fiquei só com a memória. Está eternizado, está registrado. É um símbolo de que fui acolhida e de que minha filha existiu”.

Thais afirma que, mesmo em meio à tristeza por não poder levar a filha para casa, guarda um sentimento de gratidão. “Conhecer o projeto foi grandioso. No momento de fragilidade, elas estiveram lá. Levo essa lembrança com carinho. Foi pouco tempo, mas foi um tempo só nosso”.

Um “abraço na alma”

(Foto: Yasmin Denizard)

O nome do projeto reflete a dor de muitas mães que nunca ouviram os filhos chorarem ou os viram crescer, mas que seguem sendo mães. “O projeto representa a continuidade dos nossos filhos. É uma ressignificação pra mim. A gente oferece coisas que gostaria de ter vivido na nossa maternidade e não tivemos”, disse Jade.

As duas relatam que o impacto nas famílias é profundo. “É um momento muito difícil, um primeiro e último encontro com alguém que você planejou uma vida inteira. Então é como se fosse um refúgio, sabe? Um abraço na alma”, definiu Yasmin.

O significado do passarinho

Passarinho de crochê entregue às famílias simboliza a impermanência da vida. (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

Cada família atendida recebe uma caixinha artesanal contendo itens simbólicos, entre eles o passarinho de crochê, que carrega um significado profundo: a impermanência da vida.

A metáfora vem da expressão “mãe cria o filho como passarinho” com amor, cuidado e a certeza de que um dia ele vai voar. Mesmo que esse voo aconteça antes do tempo, o ninho permanece. As caixinhas e os passarinhos são confeccionados com carinho por voluntários, e as doações são fundamentais para manter o projeto ativo.

Acolhimento ampliado

Caixinhas entregue às famílias. (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

Com o crescimento do projeto, muitas gestantes já procuram o apoio por iniciativa própria. “Agora, as gestantes acompanham o projeto pelas redes sociais e já sabem que aquilo pode ser possibilitado. Elas querem que aconteça. Estamos empoderando essas mulheres”, explicou Yasmin.

Para receber o acolhimento, basta entrar em contato pelo perfil do Instagram @filhosinvisiveis. O grupo também recebe doações para manter a produção das caixas e passarinhos de crochê, que são entregues às famílias. “É uma forma de lembrar que, mesmo invisíveis aos olhos da sociedade, esses filhos existiram e serão sempre amados”, finalizou Jade.

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