Cotidiano

Apenas 47% das venezuelanas no BR usam método contraceptivo, diz estudo

Apesar dos métodos contraceptivos serem gratuitos no SUS, algumas migrantes ainda compram, mesmo carentes de recurso. Fiocruz aponta que pode haver barreira no acesso.

Uma pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aponta que apenas 47% das venezuelanas no Brasil usam algum método contraceptivo, enquanto entre as brasileiras, a média é de 80%. O estudo foi realizado em conjunto com a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), e era coordenado pela Universidade de Southampton, da Inglaterra.

Foram entrevistadas 2.012 migrantes de 15 a 49 anos que chegaram ao Brasil entre 2018 e 2021 e estavam vivendo em Manaus (AM) e Boa Vista. As entrevistadoras também foram venezuelanas. 

Conforme a pesquisa, o percentual das estrangeiras se manteve estável em relação ao comportamento delas enquanto ainda estavam na Venezuela. 

A pesquisa mostra ainda que 63% das migrantes ativas sexualmente não utilizaram preservativo masculino nenhuma vez nos últimos 12 meses e 53% relataram usar algum contraceptivo, sendo o injetável o método mais recorrente. Cerca de 10% delas chegaram ao Brasil grávidas.


Entre as migrantes venezuelanas, 40% tem dois ou três filhos e 16%, quatro ou mais. – Foto: Divulgação

“O acesso aos métodos contraceptivos das venezuelanas após a chegada ao Brasil se deu principalmente pelos serviços públicos de saúde, mas muitas ainda compram, apesar da carência de recursos. Isso quer dizer que, apesar da oferta, não há facilidade para essas mulheres encontrarem os métodos que são oferecidos gratuitamente. Há alguma barreira no acesso aos métodos e isso precisa ser resolvido”, analisa a coordenadora da pesquisa na Ensp/Fiocruz, Maria do Carmo Leal.

A saúde das migrantes também está ligada à separação dos filhos que ficaram no país, e se mostra preocupante. Cerca de 25% destas mulheres deixaram ao menos um filho no país de origem, e foram justamente elas que relataram pior estado de saúde, assim como as que sofreram algum tipo de violência no trajeto até o Brasil. 

Entre as migrantes venezuelanas, 40% tem dois ou três filhos e 16%, quatro ou mais. As taxas de fecundidade são consideradas altas, o que é prejudicial também do ponto de vista financeiro, já que, além de precisarem alimentar e cuidar de muitas crianças, essas mulheres acabam impedidas de trabalhar porque precisam ficar com os filhos.

Quase 80% das migrantes vivem com menos de um salário mínimo. Uma das recomendações feitas pela pesquisa é a disponibilidade de creches e escolas para as crianças e adolescentes venezuelanas. 

A pesquisa também mostrou que, em um primeiro momento, muitas mulheres atravessavam a fronteira para ter filho no Brasil, utilizando o Sistema Único de Saúde (SUS), e depois voltavam à Venezuela. Em uma segunda onda, elas vieram para ter seus filhos e permanecer no país por tempo indeterminado.

“Muitas eram adolescentes grávidas e chegaram sozinhas. No geral, as mães migram em busca de educação e tratamento de saúde para os filhos. Quando deixam filhos na Venezuela, o maior desejo é mandar dinheiro para que eles venham. Elas não rompem os laços”, explica a coordenadora da parte da pesquisa realizada pela UFMA, Zeni Carvalho Lamy.

Com os relatos das mulheres foi possível identificar o período de fechamento da fronteira por causa da pandemia de Covid-19 como o mais violento. Muitas venezuelanas pagaram ‘trocheiros’ para atravessar pela mata e, em diversas oportunidades, esses homens trocam o pagamento por sexo ou estupraram as mulheres.

“O estigma, a discriminação, o medo, o trauma, assim como as desigualdades socioeconômicas e linguísticas afetam o acesso e o comportamento na busca de cuidados de saúde e serviços de proteção. Dados e pesquisas que identifiquem essas barreiras são necessários para garantir um melhores práticas clínicas e política”, afirma a coordenadora-geral do projeto Pia Riggirozzi, da Universidade de Southampton.

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