Cotidiano

Agenciadoras cobram até R$ 8 mil por cirurgias plásticas na Venezuela

Mulheres de Boa Vista são aliciadas com a promessa do “corpo perfeito” a um preço de cirurgia bem abaixo do cobrado no Brasil

A morte de mais uma brasileira na Venezuela, que aconteceu nesta semana durante cirurgia plástica na Venezuela, chamou a atenção de autoridades e profissionais dos estados de Roraima e Amazonas, que estão se mobilizando para tentar coibir a prática de agenciadoras que aliciam mulheres com a promessa do “corpo perfeito” a um preço bem abaixo do que é cobrado no Brasil.

Segundo a servidora pública K. R. A., que se submeteu, no mês de junho, a um procedimento cirúrgico em Porto Ordaz, na Venezuela, e aceitou relatar à Folha a rotina de como funciona o agenciamento das cuidadoras, um grupo é formado em média por 30 mulheres que pagam de R$ 6.000,00 a R$ 8.000,00 dependendo do procedimento. No valor já estão incluídos o translado e o pagamento das auxiliares de enfermagem após a cirurgia.

“No momento em que são criados os grupos em redes sociais, é explicado como se dá o pós-cirúrgico de cada procedimento e o custo de cada cirurgia estética. O valor chega a ser, em média, de 40% a 60% do valor cobrado em Boa Vista, o que acaba sendo vantajoso para as mulheres que optam por estes procedimentos. No dia da cirurgia, passamos mais de 12 horas esperando o momento da operação, quando são atendidas quase todo o grupo em um único dia”, disse.

Segundo a servidora pública, o maior período de fluxo de mulheres que cruzam a fronteira é nos meses de junho e dezembro. “Constantemente as agenciadoras mantêm contato adicionando novas participantes interessadas nestas cirurgias estéticas. É um risco que corremos, mas no nosso grupo que foi a Porto Ordaz, em junho, não aconteceu nenhum procedimento errado”, concluiu. (A.G.G)

Entidade quer fiscalização na fronteira para identificar e prender agenciadoras

A situação das brasileiras que morrem por se submeterem a cirurgias plásticas realizadas por médicos não qualificados na Venezuela tem preocupado ainda mais a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) há cerca de três meses após denúncia do Estado do Amazonas. Por ser rota principal entre Manaus (AM) e Venezuela, a SBPC pretende implantar, no Estado de Roraima, as medidas recomendatórias já discutidas junto às autoridades amazonenses, como fiscalização na fronteira para identificar mulheres cirurgiadas e seus agenciadores.

Com exclusividade para a Folha, o presidente da SBCP, Luciano Chaves, disse que, conforme a denúncia enviada de Manaus, as mulheres são captadas de salões de beleza e boutiques por agenciadores que as transportam para o país vizinho em ônibus e vans. O problema acontece com uma frequência maior em Roraima, conforme a Folha vem denunciando.

A SBPC protocolou denúncia no Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM), Conselho Regional de Medicina do Estado do Amazonas (Cremam) e na Polícia Federal, em Manaus. “Em 12 meses, já estavam com 11 óbitos, fora as lesões e sequelas dos pacientes que retornam ao Brasil no pós-operatório e não têm uma assistência dos médicos que as operam”, disse Chaves.

De acordo com o assessor jurídico da SBPC, Carlos Michaelis, no sentido de tomar uma medida para reverter a situação, houve uma provocação da entidade junto à Associação Médica Brasileira para o Ministério Público Federal (MPF) e ao Cremam. “Foi entregue um protocolo com pedido de instalação de inquérito civil ao chefe do MPF, que estão em apuração. No Cremam conseguimos demonstrar os relatos dos casos ocorridos na Venezuela”, relatou.

Segundo Michaelis, o MPAM e o Departamento da Polícia Federal do Amazonas se comprometeram a aumentar o rigor e a fiscalização das fronteiras, partindo da premissa dos casos de pacientes que voltam da Venezuela em evidente estado de pós-operatório, o que inclui apurar a participação dos intermediários que estão no Brasil e facilitam a locomoção ao país vizinho.

A circunstância também foi levada à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), uma vez que o código de ética médica, nos seus princípios fundamentais, diz que os médicos devem comunicar às entidades competentes qualquer forma de deterioração do ecossistema prejudicial à saúde e a vida. “O Conselho Regional de Medicina da cidade deve ser comunicado com todos os dados, especialmente quando receber de clientes esse tipo de denúncia”, frisou Michaelis.

Conforme o assessor jurídico, em Manaus foi sugerido e criado um grupo de trabalho formado pela SPCB, OAB-AM, MPF e Cremam para que a situação seja revertida. Segundo ele, a SBCP ficou de fazer o projeto em Boa Vista. “É o momento de a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, por meio da regional de Boa Vista, também implantar um novo movimento na Capital. É um primeiro caminho”, frisou.

Para o presidente Chaves, a conjuntura também se tornou de competência da Polícia Federal para que as pessoas que trabalham como agenciadoras e que ganham dinheiro incentivando as pessoas a irem para a Venezuela sejam presas. Além disso, a SBCP está pleiteando uma audiência com o Ministro das Relações Exteriores e o Ministro da Justiça para poder levar a gravidade do assunto. “As mulheres brasileiras estão desprotegidas porque estão sendo captadas para realizarem cirurgias com custos muito baixos, sem nem saber com quem está sendo submetida a cirurgia e são aliciadas”, frisou.

OUTROS PROBLEMAS – De acordo com o presidente Chaves, quando não causam mortes, as cirurgias feitas pelos médicos não qualificados complicam a saúde do paciente em razão de infecções e intercorrências graves. “Os pacientes terminam internados nos hospitais da rede Sistema Único de Saúde [SUS] para cuidados. É uma situação muito grave”, disse.

Para Michaelis, o pós-operatório é complicado em razão do caminho desastroso entre o país e as capitais. Segundo ele, à época da denúncia foram levantadas questões ligadas de tráfico de órgãos. “Tinha cirurgia que era feita lá e, quando voltavam, na hora de fazer algum tipo de retoque, davam conta de que algo estava faltando. O caso é mais bizarro do que aparenta”, ressaltou.

DADOS – Conforme dados da SBCP, 5.800 profissionais brasileiros estão credenciados na instituição. Em uma média anual, cerca de um milhão de cirurgias são realizadas, sendo 60% de estética e 40% reparadoras. Em relação ao gênero, 80% dos pacientes são mulheres e 20% homens. (A.G.G)

Brasileira ficou nove dias em coma antes de morrer

A empresária Dioneide Leite morreu na manhã de segunda-feira, em Porto Ordaz, na Venezuela, depois de ficar nove dias em coma devido a ter tido pulmão perfurado durante procedimento de redução de seios e laqueadura, realizado por um médico oncologista daquele país, Oscar Hurtato, que não teria especialização para este tipo de procedimento. Esse não seria o primeiro caso de morte envolvendo esse médico.

A vítima morava em Parintins, no Amazonas, mas era natural de Alenquer, no Pará, e tinha 36 anos. No dia 6 deste mês, após o procedimento, foi encaminhada desacordada para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A mulher saiu de Parintins em direção à Venezuela no dia 29 de agosto.

Este não é o primeiro caso de pacientes brasileiras que morrem em decorrência de procedimentos cirúrgicos estéticos realizados em cidades venezuelanas. Em janeiro do ano passado, uma roraimense faleceu após complicações de uma plástica realizada em Ciudad Guayana.

PROPAGANDAS – Grupos do WhatsApp e redes sociais na internet têm sido usados para a divulgação de propagandas que oferecem cirurgias estéticas a preços mais baratos do que os praticados no Brasil. Existem, inclusive, pessoas que recrutam interessadas, oferecendo pacotes que incluem transporte, acompanhantes e até mesmo passeios para compras na Venezuela.

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