Cotidiano

Abrigo precisa de parceiros para continuar atendendo venezuelanos

Governo do Estado e Instituição Fraternidade trabalham em conjunto, mas precisam de ajuda com alimentos, colchões e materiais de limpeza

Após reunião na terça-feira entre os membros do Gabinete Integrado de Gestão Migratória (GIGM), setor do Governo do Estado que gerencia o Centro de Referência ao Imigrante (CRI), a decisão foi buscar parcerias para melhor atender as pessoas abrigadas no Ginásio do Pintolândia, zona Oeste de Boa Vista. A reunião se deu após decisão do Tribunal de Justiça de desobrigar a Prefeitura de Boa Vista de oferecer alimentos e atendimento médico às crianças venezuelanas.

O Gabinete, composto por órgãos como o Corpo de Bombeiros Militar e a Defesa Civil do Estado, já trabalha em conjunto com a instituição Fraternidade: o Estado faz a gestão e a busca dos recursos, enquanto que a Fraternidade executa os serviços dentro do ginásio. Além da distribuição de café, almoço e jantar, a Fraternidade faz assistências médica, odontológica e de vacinação. O Estado encaminha imigrantes para o Sistema Nacional do Emprego (Sine), que gerencia as vagas no mercado de trabalho.

O tenente Fernando Troster, da Defesa Civil Estadual, disse que boa parte dos materiais foi conseguida através de doações de empresários e de entidades governamentais, como a Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (Caer). As refeições serão assumidas pela Defesa Civil, que também já providenciou colchões e está fazendo um levantamento de quantas pessoas ficam no abrigo.

O tenente disse que a população é bem-vinda a ajudar. “Neste momento, as maiores necessidades são a alimentação e os medicamentos, sendo que recebemos muitas roupas também. Pedimos que quem esteja interessado em ajudar, vá até o Centro de Referência ao Imigrante e converse com a Fraternidade e com a gente, antes de trazer os materiais”.

PARCERIA – Responsável pela gestão do Centro, a Irmã Clara disse que todos os alimentos foram conseguidos pela Instituição Fraternidade através de doações de comerciantes e supermercados do entorno do ginásio. Todos os dias o grupo recolhe e recicla comidas que não seriam mais vendidas. O trailer no qual eles trabalham do lado de fora do ginásio foi cedido pela Secretaria de Segurança Pública (Sesp), onde os 13 voluntários da instituição fazem o atendimento de saúde dos imigrantes, na sua maioria venezuelanos indígenas e não-indígenas.

Há muitas pessoas chegando com desnutrição, infecção e problemas de pele devido à exposição ao sol pedindo esmolas, além de crianças com diarreia e problemas respiratórios. Houve dois casos de malária e de tuberculose que eles trouxeram da Venezuela, mas que já estão sendo controlados com medicação. “Pedimos aos profissionais de saúde de Roraima que se integrem a nós. Ajudamos os venezuelanos, mas de quebra a população de Roraima, pois combatemos focos de doenças que poderiam ter sido espalhadas. Os indígenas, por exemplo, só buscam tratamento quando já estão em estágios muito avançados”, disse.

Irmã Clara disse que os indígenas costumam passar de 20 a 30 dias, o tempo para venderem seus artesanatos. Porém, os indígenas da tribo Warao, da Venezuela, têm um costume de gerações de que pedir esmola é um tipo de trabalho. Muitos deles saem para ficar pelas ruas de Boa Vista, principalmente mulheres com crianças. “Estamos educando-os para que deixem de pedir esmolas, mas isso só vai parar quando a própria população não der mais dinheiro. Por isso, não doe dinheiro, compre o artesanato deles. Se estiverem sem nada para vender, não doe o dinheiro. Eles não precisam dele, pois aqui no Centro têm refeições”.

Os imigrantes que não saem durante o dia, ajudam a preparar as refeições, a limpar o espaço, a capinar e a manter a ordem. Porém, como são muitos, a necessidade de doações é constante. Principalmente de colchões, produtos de limpeza e comidas como carnes e verduras. “Temos muitas grávidas dormindo no chão. Qualquer pessoa que queira vir aqui para estar um pouco com eles, seria um grande apoio. Eles são nossos irmãos, vítimas de uma tragédia humanitária. São poucos os que querem morar no Brasil. A maioria quer trabalhar para juntar dinheiro e retornar para a Venezuela para ajudar seus familiares que lá ficaram”, disse.

Abrigados narram seus dramas na Venezuela e o que esperam do Brasil

Há três dias no Centro de Referência ao Imigrante (CRI), o pedreiro Jose Luiz Perez Indriago está há cinco meses em Roraima. Ele chegou de ônibus com um grupo de 23 venezuelanos, sendo que somente um deles era seu conhecido, e morou na rua. Na sua cidade, Margarita, ele trabalhava em um restaurante quando boa parte do pessoal foi demitida. A necessidade de sustentar a filha de 2 anos foi a sua motivação para arriscar a vinda para o Brasil. “Aqui, no abrigo, nos dão alimentação e moradia, mas me preocupei em tirar Carteira de Trabalho daqui e procurar emprego para poder mandar dinheiro para minha filha”, disse.

Jan Carlos Caña tinha sua carteira assinada pela petroleira venezuelana Pedvesa, quando há dois anos foi demitido. Conseguiu alguns “bicos” como pedreiro, mas estava desempregado. Um amigo ligou para dizer que estava no Brasil e que o real valia muito mais do que o bolívar.

Caña saiu da cidade de Maturín e chegou de ônibus a Roraima. Pelas redes sociais soube que seu amigo estava bem mais longe, no Maranhão, e voltaria a Roraima em quatro meses. Desde então, o homem ficou no Norte do Brasil. “Dormia na rodoviária, até que hoje cheguei ao Centro. Até agora, não vi anormalidade, até me disseram que posso deixar pertences aqui, que ninguém pegará”, disse.

Mais dramática foi a vinda da comerciante Leonar Baez. Ela morava com o marido, quatro filhos e sete netos. Eles possuíam uma venda de alimentos. Com a crise na Venezuela, os clientes desapareceram e os produtos ficaram difíceis de serem encontrados. Eles precisaram fechar o negócio e vender vários bens para pagar dívidas. Mas, ao ver as crianças emagrecendo por causa da fome, Leonar Baez decidiu tentar a sorte no Brasil.

Ela combinou de encontrar um primo em Manaus (AM) e partiu com os três filhos homens no dia 26 de dezembro do ano passado. Não conseguiu sair de Roraima, pois rapidamente ficou sem dinheiro. Atualmente com vários documentos tirados no Brasil, a família segue à procura de trabalho. “Meu filho mais velho conseguiu um, mas todos nós queremos trabalhar para podermos buscar nossas crianças, porque aqui no Brasil tem comida. Desde segunda-feira, chegamos ao Centro e nos trataram bem, nos dão comida e roupas. Só ainda não temos colchões, mas acho que é porque o projeto ainda está no seu início”, disse. (NW)

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