Cotidiano

A rivalidade feminina realmente existe?

Mestre em Sociologia, Pedagoga e integrante do Núcleo de Mulheres de Roraima e bacharel em Direito: Andrea Vasconcelos

Sabe aquelas falas que escutamos desde criança, reforçando uma visão, estruturada em um viés patriarcal e machista, de que as mulheres são rivais, extremamente competitivas e que não somos realmente amigas como os homens? Depois de muitos debates e luta por sororidade, esse mito, criado para distanciar a mulher uma das outras, continua nos perseguindo e querendo enfraquecer o esforço para combater essa competitividade.

Andrea Vasconcelos, mestre em Sociologia, explica que os comportamentos estimulados para sempre fazer as mulheres rivais são uma “herança” cultural do patriarcado. Ainda na infância as meninas ouvem e aprendem que a mulher tem menos valor ou capacidade, o que para a pedagoga e membro do Numur, Antonia Pedrosa, o objetivo sempre foi o de afastar as mulheres do centro das decisões importantes.

“A intenção é afastar e dificultar a participação nos espaços de poder, acabar com as oportunidades e políticas públicas mesmo, e até de uma maior participação e convivência no sentido de sermos cada vez mais protagonistas do nosso destino. Há toda uma estrutura que nos empurra para que fiquemos a margem, e muito mais expostas entre nós mesmas”, analisa Antonia.

Outro ponto levantado por Andrea diz respeito ao fato de as mulheres serem “julgadas por suas condutas, e não sobre sua capacidade e competências”. “Enquanto os homens são julgados pelos resultados. Por exemplo, no trabalho, não importa se o colega passou a perna nos seus pares, desde que ao final ele tenha logrado êxito em determinada meta. Não importa se ele traiu a esposa, o que será considerado ao final é o resultado. Ou seja, isso é fruto do machismo que não deseja os direitos iguais, principalmente, no campo da sexualidade”, completa.

Por outro lado, ela observa que, na verdade, as mulheres sempre estiveram juntas para enfrentar os desafios da vida cotidiana. “Quando olhamos outras culturas encontramos várias experiências de solidariedade entre as mulheres, um exemplo vem das mulheres indígenas que trabalhavam juntas na produção da farinha, desde o plantio da mandioca, o preparo da massa, a descasca, moagem até a torra na casa de farinha”, lembra.

Além disso, ela aponta que diversas experiências em que as mulheres se unem em torno de vários propósitos demonstram que “não vivemos em permanente disputa, como faz crer o patriarcado”. “As mulheres se reúnem para várias lutas, como as quebradeiras de côco babaçu, as artesãs do capim dourado, as mulheres dos clubes de mães, e, em movimentos sociais e de mulheres, para desenvolver projetos, ações sociais, reivindicarem políticas públicas. Temos as mães da praça de maio, as mães da candelária, que construíram um movimento de luta em busca de justiça por seus filhos e filhas, denunciando o estado e o poder público”, descreve.

E ressalta: “Ademais, nós mulheres ‘cuidamos’ dos familiares adoecidos, das crianças, dos idosos, das pessoas com deficiência, dentro e fora da família. Os homens também cuidam, mas são uma minoria, infelizmente”.

E é por isso que a pedagoga Antonia Pedrosa afirma que as mulheres “precisam discutir cada vez mais sobre como o machismo nos afeta”. “E continuar lutando por mais espaços e oportunidades com equidade de gênero; por um ensino emancipador, além de nos livrar dessa estrutura patriarcal, misógina e machista. Portanto, precisamos avançar muito e mais rápido em relação ao debate sobre a sororidade, que nos manterá alinhada à situações mais favoráveis a uma convivência harmônica e com mais empatia entre todas nós”, explica.

Homens são muito mais competitivos

Ainda analisando essa questão, Andrea Vasconcelos afirma que muito mais competitivos mesmo são os homens. “Numa cultura de violência, como a brasileira, vamos ouvir e presenciar situações de falta de sororidade, de rivalidades entre homens e mulheres. Mas o número de homicídios de homens é de 90%, enquanto o de mulheres é de 10% (média), segundo o Mapa da Violência. Ou seja, os homens se matam entre si, muito mais que as mulheres. Logo, o nosso desafio é desconstruir esse discurso ideológico que prejudica toda a sociedade”, observa.

E uma forma para iniciar essa desconstrução, segundo Vasconcelos, é fundamental que as mulheres e os homens incorporem novos comportamentos e atitudes. O primeiro conselho é “não reproduzir ou dar visibilidade para essa visão machista”. Outro ponto é entender que uma divergência pessoal [com uma mulher] não pode ser transformada em um ataque às mulheres.

Além disso, Andrea entende que é necessário “desconstruir essa ideia de que a beleza é a melhor qualidade das mulheres”. “Isso é terrível para nós, pois passamos a ser enxergadas como objetos, brinquedos dos homens, ocultando nossas capacidades e competências”, observa.

Por fim, ela aconselha a eliminar vocabulários depreciativos “que as mulheres têm conduta leviana, em razão das roupas que usam, ou os lugares que frequentam”. “Isso não define o caráter de ninguém. Cuide, elogie, apoie e incentive outras mulheres, essa atitude transforma o mundo”, finaliza.

Compartilhe via WhatsApp.
Compartilhe via Facebook.
Compartilhe via Threads.
Compartilhe via Telegram.
Compartilhe via Linkedin.