Cotidiano

‘Tenho comida hoje. Amanhã, não sei’, lamenta terceirizado

Francisco é um dos servidores que precisa encontrar outros meios para conseguir renda e voltar a sustentar a família

‘É difícil. Eu penso ‘o que é que eu vou fazer da minha vida?’ Um cara da minha idade sem salário para sustentar os meus filhos e a minha esposa.

Todos os dias, às 5h, Francisco Ferreira chega à Escola Estadual Carlo Casadio para o trabalho do dia. Ele não chega cedo para se gabar, mas porque quer proporcionar aos alunos e professores um prédio limpo e sem folhagem. O jardineiro, aos 57 anos, continua trabalhando mesmo sem receber o salário há mais de sete meses.

Francisco é um dos servidores das empresas terceirizadas que prestam serviços de limpeza para o Estado que não têm como pagar aos funcionários pela falta de repasse do governo. Passaram-se os meses de agosto, setembro, outubro… e a conta continuava zerada. Ainda é fresco na memória o momento em que ele percebeu que a situação estava fora do comum.

“A gente achava que, devido à campanha política, eles iriam pagar logo depois e que seria tudo. Não aconteceu. Criamos a expectativa com o governo que ia entrar porque temos medo de ficar desempregados, mas agora a gente não sabe o que vai acontecer”, lamentou. Os cabelos brancos são a característica da idade avançada para o mercado de trabalho, então a única opção é a espera.

Sentado em meio ao jardim da casa que divide com a mulher, quatro filhos e o neto, Francisco relembrou quando podia contar com o salário de R$ 1.200 da empresa Limpongee conseguia dar condições aos filhos, entre 18 e 27 anos, de poderem continuar os estudos e não terem as mesmas limitações que ele, que estudou somente até o 4º ano do Ensino Fundamental.

A filha, formada em Economia, se tornou a única provedora da casa e custeia as contas de energia, que ultrapassam os R$ 400, e as de água, em torno de R$ 60 por mês.

“É difícil. Eu penso ‘o que é que eu vou fazer da minha vida?’ Um cara da minha idade sem salário para sustentar os meus filhos e a minha esposa. Até que consegui isso [roçadeira] para colocar o pão de cada dia, mas a concorrência complica”, contou.

Com o trabalho de capinar terrenos, o jardineiro chega a cobrar R$ 50 por limpeza ou até mais barato para conseguir tirar alguma renda no dia. O terreno da casa em que vive no bairro Centenário é próprio, mas divide com o cunhado e a mulher após eles não conseguirem pagar o aluguel.

“Esse terreno eu paguei, mas não é meu, é nosso. Não quero ver minha família pagando aluguel”, completou.

Francisco lamenta estar desempregado, vê dificuldades por causa da idade e, para tentar conseguir algum dinheiro, conseguiu uma roçadeira para poder fazer bicos (Foto: Priscilla Torres/Folha BV)

FUTURO – Francisco acordou sexta-feira, 1º, com a notícia de que o gás tinha acabado. O arroz também. Em um ato de desespero, pediu a um amigo R$ 100 emprestados para comprar o básico. Para isso, avisou que não tinha condições de ir trabalhar e ligou para a gestora da escola se desculpando.

“A gente não tem certeza do amanhã. Graças a Deus, tenho saúde e coragem de trabalhar, mas não sei o que vai acontecer comigo a respeito disso [salários]. Não sei se o governo vai pagar. Somos muito desassistidos, desvalorizados. Estamos fazendo nosso trabalho com muita vontade e interesse porque temos medo de perder o emprego, o efetivo não. Ele [governador] é só para o professor ou é para todo mundo que ele tem que governar? Nós todos temos necessidades”, criticou.

Sem poder concluir os estudos, o jardineiro não cogita colocar os filhos para trabalhar no momento porque quer que visem à melhoria de vida e sigam os passos da filha mais velha, a única a concluir o ensino superior na família.

“Eu poderia ter mais oportunidade no mercado de trabalho, mas o que me impediu de estudar foi meu pai. Para ele, eu tinha que trabalhar na roça. Só vim morar na cidade depois dos 17 anos”, revelou.

Com o neto de quatro anos no braço, o jardineiro não deixa de pensar nos colegas que ergueram posto em frente ao Palácio Senador Hélio Campos para solicitarem respostas sobre os salários atrasados.

“Eles estão na mesma situação que eu. O governo precisa olhar para gente com outros olhos, não trabalhamos para um e, sim, para o Estado. Não sei o que vai acontecer, é esperar por um milagre de Deus”.

Ao ser questionado como se sentia vendo a filha exercer o papel de sustentar toda a família, Francisco não conseguiu responder em meio às lágrimas.

Governo vai pagar mês de janeiro; para outros meses, não há previsão

Por meio de nota, a Secretaria de Comunicação Social informou que, apesar de a atual situação econômica em que o Estado se encontra, no dia 4 de fevereiro efetuará o pagamento às empresas terceirizadas para que os salários dos funcionários referentes ao mês de janeiro de 2019 sejam pagos.

Os meses seguintes serão pagos normalmente, conforme a nota.

Ainda segundo o governo, os valores referentes aos anos anteriores serão pagos quando a situação financeira do Estado apresentar equilíbrio. (A.P.L)