JESSÉ SOUZA

Quando forças paralelas começam a agir usando a estrutura da própria polícia

Três policiais militares de Roraima foram alvos da Operação Janus, desencadeada nesta quarta-feira (Foto: Divulgação)

O ano de 2023 terminou com seguidos casos de mortes de pessoas em supostos confrontos com a Polícia Militar, tema este que foi abordado no artigo publicado logo no início deste ano, em 03 de janeiro, sob o título “A criminalidade e os confrontos cada vez mais frequentes precisam de uma séria reflexão”, abordando sobre essa questão. Na versão dos policiais, eram bandidos que se atreveram a reagir com armas de fogo.

Naquele ano, surgiram denúncias de que havia policiais simulando confrontos para eliminar envolvidos em crimes. Pelo menos um desses casos ocorrera no Residencial Vila Jardim, no bairro Cidade Satélite, no entanto este caso não foi a público porque a família do morto e as pessoas que viram o episódio temiam consequências, uma vez que eles relataram ter recebido ameaças para que ficassem em silêncio.

Como neste caso tratava-se realmente de um jovem com envolvimento com tráfico de droga e facção, tudo ficou naquilo mesmo, com a versão da polícia sendo oficializada, sob a aprovação de uma população sobressaltada com a escalada da violência e desacreditada naquele rito legal de a polícia prender para depois a Justiça mandar soltar.

Nos últimos meses de 2023 estavam ocorrendo mortes de bandidos por confronto relatados por policiais. Ficou óbvio que a população estava conformada com essa versão. Porém, quem viveu na década de 1980 em Roraima presenciou um cenário muito semelhante, quando a criminalidade advinda do garimpo ilegal, no momento da primeira corrida ao El Dourado na Terra Indígena Yanomami, se tornou um problema sem precedentes com a criminalidade e a forte migração nordestina.

Da mesma forma que bandidos organizados representam uma ameaça à sociedade e aos poderes constituídos, também se torna um grave problema o surgimento de forças paralelas dentro da estrutura do Estado, com destaque para a Segurança Pública, quando alguns agentes revestido do poder estatal perdem a esperança de que a lei não consegue mais fazer frente à criminalidade e começam a agir por conta própria e ao arrepio da lei.

E nesta quarta-feira, 17, foi deflagrada a Operação Janus contra três policiais militares (um sargento e dois soldados) investigados por suspeita de envolvimento em mortes simuladas durante confrontos policiais em Boa Vista. A operação foi realizada em conjunto pela Secretaria de Segurança Pública (Sesp) e a Polícia Civil. Essa investigação corrobora a preocupação que esta Coluna tinha sobre seguidas mortes em supostos confrontos com a polícia.

Louvável a investigação, uma vez que temos precedentes em um passado muito semelhante ao que se passa hoje, em que o garimpo ilegal motivou uma escalada da violência no final de década de 1980 e início da década de 1990. Naquela época, surgiram os cemitérios clandestinos que eram resultado de forças paralelas dentro das polícias que decidiram agir por conta própria para eliminar bandidos.

Não foi uma missão fácil das autoridades da época desinfectarem o poder estatal, uma vez que não se tratava mais tão somente de bandidos morrendo tendo seus corpos desovados nas cercanias de Boa Vista ou enterrados em covas rasas em balneários, mas qualquer cidadão que ousasse a questionar esse poder paralelo, o qual fazia o papel da polícia, da Justiça e do coveiro. E esse é o grande risco quando surgem milícias ou grupos se utilizando do seu poder de polícia para fazer justiça com as próprias mãos.

Afinal, quando Estado começa a falhar em seu papel de garantir segurança pública para a sociedade, sempre surgem justiceiros que, em um primeiro momento, alegam estar agindo em favor da sociedade, para logo depois se tornarem forças cada vez mais poderosas e violentas que podem se voltar não mais somente contra bandidos, e sim contra qualquer cidadão que ousar a questionar ou cobrar por seus direitos ou mesmo contra os poderes constituídos.

*Colunista

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