JESSÉ SOUZA

O que tem a ver o garimpo ilegal com assistir a um filme tomando aquele cafezinho

Imagem mostra os estrados provocados pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (Foto: Chico Batata/Greenpeace)

Com o desenrolar das seguidas operações da Polícia Federal, é possível ter uma ideia do grande esquema que apoia e financia a garimpagem ilegal na Terra Indígena Yanomami, uma atividade ilícita tão milionária quanto criminosa por ameaçar a vida do povo Yanomami e agredir severamente o meio ambiente, além das práticas de organização criminosa, de usurpação do patrimônio da União, evasão de divisas e lavagem de dinheiros.

Não se trata apenas da extração de ouro que tem movimentado cifras bilionárias pelo garimpo ilegal, mas também a exploração da cassiterita, que dá origem ao estanho, cujo esquema recentemente revelado durante uma operação policial começava com uma cooperativa que fazia a intermediação com os grupos de garimpeiros na terra indígena, que por sua vez ficava responsável por transportar e “esquentar” o minério em Rondônia.

O minério era vendido pela cooperativa para uma empresa baseada em Rondônia, com atuação mundial, que processa o minério e comercializa o estanho com grandes empresas mundiais, a exemplo das gigantes do entretenimento, as big techs Amazon e Walt Disney Company, bem como a Starbucks, outra empresa multinacional norte-americana que representa a maior cadeia de cafeterias do mundo.

Tudo isso foi revelado pela Operação Forja de Hefesto, executada pela PF em dezembro de 2023, com o teor divulgado pela Folha de S. Paulo em uma matéria publicada neste domingo, 03. Os fatos mostram ainda a conexão com a política partidária roraimense, o que não é exatamente uma novidade, sabendo que os políticos apoiam o garimpo – e ainda havia um candidato a deputado federal que desfilava com um helicóptero usado no garimpo carregado na traseira de um caminhão.

Conforme as investigações, a intermediadora da cassiterita junto aos garimpeiros era a Cooperativa de Produtores de Estanho do Brasil (Coopertin), com sede em Rondônia e filial em Roraima. A empresa que comprava o minério é a White Solder Metalurgia e Mineração, grande produtora de estanho em escala mundial e que atua “em toda a cadeia produtiva do estanho, desde a mineração da cassiterita até a fabricação de soldas”, produtos estes exportados para as maiores empresas do mundo nos Estados Unidos.

A White Solder aparece nas investigações como destinatária de R$ 166 milhões em cassiterita adquirida da Coopertin, apontada como intermediária de uma suposta organização criminosa de extração ilegal de minério na Terra Yanomami. A cooperativa funcionava como uma empresa de fachada para lavagem de dinheiro em Boa Vista, conforme a PF. O intermediado da cooperativa é apontado como chefe do esquema, que recebera R$23 milhões em pagamentos na negociação de cassiterita.

As investigações vão mais além. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal (MPF) apontam na investigação que a cooperativa efetuou transações com aquele empresário e político bolsonarista que lidera o movimento de garimpeiros em Roraima, o qual foi candidato a deputado federal, mas não conseguiu se eleger. Inclusive, ele chegou a ser preso por suspeita de compra de votos durante as eleições de 2022 e ainda indiciado por crime ambiental durante as investigações sobre o garimpo ilegal.

Conforme a matéria da Folha de S. Paulo, as investigações da PF apontam que esse empresário ex-candidato a deputado federal foi o principal destinatário de recursos da Coopertin, tendo recebido R$ 11 milhões (55% de toda a operação declarada de cassiterita da cooperativa), além de outros pagamentos, de um total de quase R$ 5 milhões, feitos pelo intermediário da cooperativa.

A matéria lembrou ainda que o empresário foi denunciado pelo MPF sob suspeita de chefiar a organização criminosa que comanda o garimpo ilegal em Roraima, cujo grupo dele movimentou R$ 200 milhões em dois anos e atuaria junto com uma organização maior, suspeita de transacionar R$ 16 bilhões em ouro ilegal.

Com tantas cifras e gente graúda envolvidas, tendo grandes empresas mundiais como beneficiárias, não é por acaso que as autoridades brasileiras encontram grandes dificuldades em combater o garimpo ilegal. E não custa lembrar que, ao assistir a um filme ou série, bem confortável em casa e tomando um cafezinho, a pessoa pode estar ajudando a alimentar o garimpo ilegal na Terra Yanomami, mesmo sem saber de nada – mas agora já sabe!

*Colunista

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