Jessé Souza

O homem da mala e a foice 17 10 2014 166

Jessé Souza* As redes sociais serviram para escancarar aquilo que ficava oculto em períodos eleitorais de outras épocas. No passado não muito distante, lembro que as pessoas ficavam esperando, à noite, o chamado “homem da mala” chegar às vésperas de eleição. E o cara chegava mesmo com uma mala cheia de dinheiro para pagar a boca de urna. Na primeira eleição direta em Roraima, no final da década de 80, vi quando o “homem da mala” chegou na rua lá de casa, no bairro de Liberdade, já perto de meia-noite. O cara não era nem um pouco discreto: descia do carrão com a maleta presidencial pendurada na mão, bem vestido e de poucas palavras. Só perguntava: “Quem tem a lista?” Talvez esse tenha sido o meu primeiro contato visual com uma compra de voto. Aquela imagem nunca saiu do meu imaginário, pois nos anos seguintes o “homem da mala” passou a ser considerado uma lenda urbana, pois poucos conseguiam vê-lo, uma vez que esta prática passou a ser um pouco mais discreta. Então, anos se passaram, meu engajamento com a imprensa diária tornou-se definitivo e nunca duvidei dos relatos sobre compra de voto em Roraima, uma vez que vi nascer, em Roraima, um dos maiores esquemas eleitorais, quando poucos (ou quase ninguém) ousavam denunciar, pois todos sabiam do preço a quem se atravesse a enfrentar um esquema desse: a vida. Naqueles anos de fim de ditadura e início da democracia, eu mal acabara de sair da adolescência e ouvia relatos de gente que era eliminada pela pistolagem política, a exemplo do jornalista João Alencar.  E, já atuando na imprensa, no início da década de 90, vi o desenrolar de outros crimes, como o do advogado Paulo Coelho e, depois, do auditor fiscal Nestor Leal. Então, a política roraimense foi construída assim, pela chegada do “homem da mala”, que comprava a consciência do eleitor, e pela pistola alugada pelos políticos, que não admitiam que atravessassem seu caminho, caso o dinheiro não comprasse. E, pelo que mostram as redes sociais hoje, o “homem ou mulher da mala” continua operando, mas de outras formas, não apenas comprando o eleitor mais pobre da periferia, mas também bancando gente das mais altas esferas sociais e judiciais. A pistola foi aposentada e agora funciona o gatilho dos cifrões, que desfia qualquer um sob o corpo de quem sucumbiu à bala dos pistoleiros contratados pelos políticos corruptos de tempos passados. Cada voto comprado hoje tem não apenas o sofrimento dos que penam nos hospitais públicos ou dos que morrem por causa da violência urbana, mas também tem o grito da alma daqueles que morreram, no passado bem recente, por terem ousado enfrentar os poderosos locais. Então, quando o “homem da mala” aparecer na sua rua, lembre-se que ele traz uma foice suja de sangue na outra mão. *Jornalista [email protected]