JESSÉ SOUZA

O brasão de Roraima e o discurso fácil para massagear o ouvido e a mente de eleitores

Padre Kelmon gravou vídeo defendendo o garimpo a partir do brasão de Roraima que traz o Monumento ao Garimpeiro (Imagem: Reprodução)

Explicitamente em busca de qualquer espaço político em Roraima, depois que ficou conhecido ao ser candidato a presidente do Brasil fazendo escada para a tentativa de reeleição do então presidente Jair Bolsonaro durante o Horário Eleitoral, o Padre Kelmon tenta encontrar um caminho curto para cair nos braços e na graça do eleitor roraimense.

Em um vídeo que está sendo compartilhado, Kelmon explora o discurso pró-garimpo ao se postar ao lado de uma viatura da Polícia Militar de Roraima, que tem adesivado na porta o brasão do Estado de Roraima, o qual traz as imagens da garça e do Monumento ao Garimpeiro, estátua esta que está localizada no meio da Praça do Centro Cívico, em frente ao Palácio Senador Hélio Campos.

O padre, que nunca aparece em vídeo rezando ou falando de Deus, sabe que está em solo de uma população iludida por políticos e empresários de mineração que os patrocinam para que defendam o garimpo em terras indígenas. Por isso, em busca da boquinha de um mandato político, Kelmon reproduz antigos discursos que a maioria da população local quer ouvir.

Contrariando a um dos principais ensinamentos de Jesus por sua passagem na terra, conforme diz a Bíblia, que é viver na verdade, no vídeo o padre Kelmon comete inverdade ao tentar justificar sua fala de perseguição a “trabalhadores e pais de família” alegando que a Polícia Federal, na semana passada, teria perseguido e matado um garimpeiro.

Talvez o padre esteja se referindo ao episódio ocorrido no dia 23 de março passado, no Município do Alto Alegre, que é uma das principais rotas do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e outros crimes advindos dessa atividade. Não foi a PF, mas sim a Polícia Militar (a mesma que traz o brasão com o Garimpeiro) que, em troca de tiros, na noite daquela data, matou um garimpeiro que, dirigindo um carro em alta velocidade, havia furado o bloqueio policial e disparado tiros contra a viatura.

Essa ocorrência explicita muito bem o que se tornou o garimpo ilegal em Roraima, uma atividade fora da lei que se movimenta por meio de outras ações criminosas, como tráfico de droga e de armas, além de outras atuações do crime organizado que se apoderou dessa atividade. Em tempo: pai de família e trabalhador não anda armado nem furando bloqueio de polícia durante a noite.

Obviamente que há o papel do garimpeiro trabalhador, pai de família e cumpridor dos seus deveres. No entanto, essa atividade garimpeira ficou para trás há um certo tempo, pois o garimpo atual não cabe mais o trabalhador com bateia na mão. Hoje é uma atividade que exige maquinários cada vez mais potentes e caros, os quais precisam ser agressivos para cavar buracos, e avançar sobre rios e matas em busca do minério.

Garimpagem hoje é símbolo de uma organização poderosa, que tem muito dinheiro para investir e conexões políticas e financeiras em várias frentes para atuar fora da lei, explorando mão de obra de homens e mulheres pobres embrenhados no meio da floresta, em situação insalubre e degradante, além de bancar pessoas que defendam arduamente essa atividade altamente destruidora.

O que o padre Kelmon tenta defender, ao usar o brasão de Roraima em sua fala, é uma imagem que não existe mais, do tempo do garimpo de décadas passadas, quando o garimpeiro de bateia na mão ajudou a desenvolver Roraima em um momento em que não havia outra alternativa nem mesmo governo que olhasse para esta terra isolada do resto do país.

A Estátua do Garimpeiro é essa homenagem e reconhecimento do passado. E o brasão de Roraima registra a marca indelével de um garimpeiro romantizado, que não existe mais na atualidade em que o crime organizado se apossou da mineração fora da lei em áreas inacessíveis para a polícia e o poder público de uma forma geral.

E ainda que se legalize essa atividade em terras indígenas, futuramente, ela jamais será de homens de bateia na mão, e sim de multinacionais com suas potentes máquinas que exigem cada vez menos trabalho braçal de homens e mulheres, a não ser para dirigir máquinas e veículos. E isso o padre Kelmon faz questão de omitir, porque a ele interessa apenas o discurso fácil para agradar ouvidos e mentes de eleitores.

*Colunista

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