A impressão é que, finalmente, a Polícia Militar de Roraima começará uma nova fase com a troca de comando após muitas críticas, pressões políticas e pelo menos dois coronéis ex-comandantes da PM acusados de “críticas indevidas” ao governador Antonio Denarium e ao então comandante Miramilton Goiano, que acabou sendo substituído pelo coronel Overlan Alves.
Mudar a condução do Alto Comando da PM era inevitável diante dos seguidos fatos, em que Miramilton e seus filhos passaram a ser investigados pela Polícia Federal sob suspeita de integrarem um grupo que vendia armas ilegalmente. O então vice-comandante, coronel Francisco das Chagas Lisboa Junior, foi o primeiro a cair depois de passar a ser investigado pela PF por suspeita de envolvimento na compra de votos nas eleições passadas.
No entanto, essa impressão de bons ventos soprando para a recuperação da credibilidade da PM de Roraima precisa ser contextualizada com um passado não muito distante, quando os policiais passaram por formação com a filosofia da polícia do Canadá, que era um feito enaltecido à época com o discurso de que teríamos uma polícia realmente cidadã e comunitária, aos moldes dos canadenses. Foi criada inclusive uma instituição para formação superior de policiais que seriam habilitados em polícia comunitária.
Foi então que, em agosto de 2011, o Instituto Superior de Segurança Pública (Issec) comemorava a formação da primeira turma de 86 policiais comunitários em Roraima, sendo 52 PMs, 20 policiais civis, 8 membros do Issec, 4 guardas municipais e dois comunitários. A proposta era ambiciosa, que era o Issec dar início a uma nova geração de policiais, que era o policial comunitário, cujo perfil seria o de trabalhar não apenas com os efeitos da violência, mas também com as causas, a partir da interação da polícia com a população.
O tempo passou, os governos foram mudando e tudo isso se perdeu, apesar de o Issec ter ganhado um orçamento de R$ 2,3 milhões! Houve um tempo em que havia inclusive a Ciclo Patrulha que atuava nas escolas. Enquanto isso não passou de um delírio político momentâneo do passado, quando tudo muda de acordo com as conveniências políticas e partidárias, a Segurança Pública não conseguiu absorver a polícia comunitária nem multiplicar essa formação canadense como política de governo.
Em outra ponta, as facções dominaram os presídios e o crime se organizou, enquanto o governo local até hoje não sabe que rumo tomar diante do narcogarimpo e da aliança de facções brasileiras e venezuelanas, além da corrupção sistêmica que resulta em seguidas operações da PF e da Polícia Civil de Roraima. E voltamos à realidade de hoje, de agora, quando a PM passa por mudanças em seu comando.
Não podemos esquecer que o ex-comandante da PM investigado pela PF por venda ilegal de armas apenas mudou de cargo, sendo galgado para a Casa Militar, um órgão estratégico no Palácio do Governo, que inclusive foi brindado com um crédito suplementar de R$25 milhões. O ex-vice-comandante da PM, por sua vez, aquele investigado por supostos crimes eleitorais, foi nomeado para o Departamento de Inteligência da PM.
Não menos importante lembrar que, sob o decorrer desse comando que foi substituído após várias pressões, totalizaram 100 PMs investigados pelo Ministério Público de Roraima (MPRR) por graves crimes, como milícia armada atuando para empresários de garimpo ilegal, execução de vítimas sob simulação de confronto policial e assaltos a garimpeiros, além de homicídios, tortura, sequestro e tráfico de drogas.
Enquanto isso, o novo comandante-geral da PM, Overlan Alves, assumiu afirmando que entre suas prioridades estão a requalificação da tropa, atualização de protocolos de abordagem policial e reforço do policiamento comunitário, ou seja, tudo aquilo que foi proposto como ensinamento da academia de polícia canadense adotado pelo Issec há quase uma década e meia.
Até parece que esse tempo nem existiu na Segurança Pública de Roraima ou que foi um tempo muito distante. Há 14 anos não se ouvia mais um discurso dentro dessa filosofia de polícia comunitária. Fica até difícil acreditar diante da realidade a qual chegamos até aqui. Infelizmente…
*Colunista