JESSÉ SOUZA

Morte de adolescente em Manaus e o caso da filósofa censurada em Roraima

Filósofa Judith Butler foi declarada persona non grata em Roraima por defender estudo de gênero (Foto: Divulgação)

A morte de um adolescente de 17 anos, espancado por outros jovens ao reagir a ofensas homofóbica, em Manaus (AM), na semana passada, tem ganhado repercussão no país, nos últimos dias, inclusive foi lamentada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH) nesta terça-feira (8), por meio de uma nota. O fato remete a uma situação em Roraima que ainda ecoa até os dias atuais e que precisa de uma resposta.

Em 2017, os deputados estaduais aprovaram um decreto que tornou a filósofa Judith Butler como persona non grata em Roraima. Motivo? O fato de a escritora defender estudos de gênero em seu livro “Problemas de Gênero e referência internacional na luta pelos direitos LGBTQIAPN+”. Naquele momento, o país havia mergulhado em um perigoso viés conservador com a política tomando rumos para uma extrema direita.

É necessário frisar que a filósofa foi atacada oficialmente por um parlamento brasileiro por defender estudos de gênero, quando o conceito sociológico “ideologia de gênero” foi ressignificado e virou instrumento político conservador contra as narrativas feministas e LGBT, usado inclusive nas igrejas com a finalidade de meter medo na população por meio do moralismo autoritário.

Isso ocorreu por meio do Decreto Legislativo 070/2017, aprovado em 13 de dezembro de 2017, no fim do ano legislativo, quando tudo é aprovado sem debate às vésperas do recesso parlamentar. A autoria desse decreto foi do então deputado estadual George Melo, que não conseguiu de reeleger, mas acabou voltando ao parlamento em 2022 quando o deputado Jalser Renier foi cassado sob a acusação de montar uma milícia dentro do Legislativo no caso do sequestro e tortura do jornalista Romano dos Anjos.

Não pode ser esquecido que, dois meses antes desse decreto ser aprovado, o então deputado estadual Mecias de Jesus, hoje senador, teve seu projeto de lei aprovado proibindo a menção de “ideologia de gênero” na grade curricular das escolas públicas e privadas do Estado, que se tornou lei em fevereiro de 2018, um ato que visivelmente teve a finalidade de impor medo e agradar o público conservador e moralista religioso que tomou conta da política.

Oito anos depois, com o caso da morte do adolescente em Manaus, a entidade Observatório Crítico relembrou a aprovação do decreto e do projeto de lei em Roraima, pedindo que os atuais parlamentares revoguem o decreto, episódio classificado como “uso da máquina legislativa como ferramenta de censura”, diante do alerta de que o conservadorismo em Roraima não quer debate e usa o silenciamento como instrumento de censura.

O momento é propício para que se faça essa reparação, pois a própria Assembleia Legislativa do Estado de Roraima (ALE-RR) tem demonstrado iniciativas que promovem o debate e a conscientização sobre a luta contra a homofobia, a exemplo do debate “Homofobia é Crime”, organizado pela TV Assembleia em 17 de maio de 2024, em alusão ao Dia Nacional de Combate à Homofobia.

Esse programa, que foi mediado pelo jornalista Josué Ferreira, discutiu avanços e desafios da comunidade LGBTQIA+ no Estado, com participação de ativistas e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RR), destacando que a homofobia é crime no Brasil desde a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, que a equiparou ao racismo (Lei 7.716/1989).

Conforme Observatório Crítico destacou em sua campanha contra o decreto aprovado em 2017, embora o teor seja simbólico, ele carrega um peso político perigoso, o qual serve para reforçar o conservadorismo, intimidar o pensamento crítico e mandar um recado de censura às universidades, aos movimentos sociais e a todas as pessoas que ousam questionar o moralismo autoritário.

*Colunista

[email protected]

Compartilhe via WhatsApp.
Compartilhe via Facebook.
Compartilhe via Threads.
Compartilhe via Telegram.
Compartilhe via Linkedin.