JESSÉ SOUZA

Mais uma operação policial e os antigos esquemas na Educação

Recursos que vão para o ralo da corrupção refletem na qualidade do ensino público (Foto: Divuilgação)

Boa Vista amanheceu, nesta quinta-feira, 04, com mais uma operação policial. Desta vez sobre uma investigação de fraude em licitação na Secretaria Estadual de Educação e Desporto (Seed) cujos investigados são,o secretário Mikael Cury, ex-deputado estadual Masamy Eda e o empresário é Rodrigo Salsicha, que já vinha sendo investigado. Mudam os personagens, mas os esquemas na Educação são os mesmos.

O alvo do dia está sendo uma empresa que atuava exclusivamente na venda de veículos que ganhou licitação para fornecer materiais de higiene, limpeza e conservação para escolas indígenas em Roraima. Suspeita-se que os produtos contratados não foram entregues integralmente, o que teria causado um prejuízo estimado em mais de R$ 4 milhões aos cofres públicos estaduais.

Esquemas desse nível não são de agora e sempre envolveram políticos, os quais estão de olho no grande volume de recursos direcionados à Seed, que no passado não distante foi colocado no centro de disputa eleitoral, em que a secretária da pasta automaticamente se tornava a coordenadora de campanha do governador da época. E tudo tratado como um ato normalíssimo.

Os esquemas ficaram tão enraizados na Educação a ponto de servidores comuns passarem a desviar produtos da merenda escolar na Capital e interior, uma vez que o exemplo já vinha de cima há muito tempo. Em dezembro de 2018, a PF prendeu um ex-secretário adjunto da Seed, que já estava como adjunto da Secretaria Extraordinária de Gabinete Institucional (Segabi) e outros três, inclusive um empresário, acusados de formar uma quadrilha que desviou recursos da merenda escolar.

Na operação, os policiais encontraram comida vencida e até ossos sendo servidos no lugar de carne aos estudantes da rede pública. Os acusados agiam como sempre: emitiam atestados falsos sobre o recebimento de alimentos comprados pelo Estado e entregavam apenas uma parte, tendo 30% dos produtos desviados. O esquema ocorria desde 2016, mas somente em 2018 a estimativa era de um desvio que chegava a pelo menos R$5 milhões envolvendo cinco empresas. Até hoje não se ouviu mais falar sobre isso.

Ainda em dezembro de 2018, a investigação da PF mirou outro esquema, desta vez no transporte escolar, cujo montante dos contratos chegava a R$70 milhões, mas R$50 milhões eram desviados para empresas que recebiam sem cumprir as rotas. Os envolvidos foram uma deputada recém-eleita à época e o marido, inclusive essa parlamentar chegou a ser cassada sob acusação de compra de votos.  Enquanto isso, escolas no interior e área indígena fechavam as portas por falta de transporte escolar.

Pulando para um passado bem recente, em junho de 2023 o Tribunal de Contas do Estado (TCE) bloqueou bens do então secretário de Educação e de outros servidores sob suspeita de superfaturamento e pagamento antecipado de R$15 milhões na compra de livros para alunos da rede pública, cujo processo tramitou em menos de um mês, algo extraordinário quando se trata de licitação pública.

Os esquemas também atingiram a educação superior. O então reitor da Universidade Estadual de Roraima (UERR), Regys Freitas, foi preso durante operação da PF em 2023, que investigava superfaturamento de serviços e direcionamento de licitações que chegam a R$108 milhões. Tudo dentro da mesma forma de agir. Em vez de exonerado e colocado à disposição para ser investigado, foi galgado a controlador-geral do Estado, um ato normalizado nos últimos anos.

A população não consegue assimilar essa realidade, mesmo reclamando da qualidade da merenda ou falta dela, das escolas com prédios precisando de reforma, da falta de material escolar e laboratórios, do serviço deficitário de transporte escolar, da falta de professores com salários defasados e todos os problemas crônicos nunca solucionados. Porque, enquanto os esquemas desviam recursos da Educação, a qualidade do ensino público definha.

Os fatos mostram que não se tratam de esquemas aleatórios de corrupção. Mas de um projeto político em que os devoradores dos cofres públicos se beneficiam exatamente dos esquemas para que a educação não avance, reproduzindo uma sociedade conformista, alienada e habituada a negociar sua consciência e seu voto para deixar tudo como está.

*Colunista

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