JESSÉ SOUZA

Guerrilha no meio da floresta e a urgente necessidade de ações concretas

Garimpeiros continuam atuando no garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami em Roraima (Foto: Divulgação)

A notícia do assassinato de três pessoas no garimpo ilegal na região do Parima, no Município de Iracema, dentro dos limites da Terra Indígena Yanomami, na primeira semana de fevereiro, mostra a distância abismal entre o discurso e a prática por parte das autoridades. A começar pelo anúncio de uma “Casa de Governo” a ser construída em Boa Vista pelo Governo Federal.

Passou-se mais de um mês do anúncio e não se ouviu mais falar sobre o assunto, enquanto o garimpo ilegal continua ativo diante da incapacidade do poder público, por meio de suas forças, de enfrentar o poderio dos financiadores do garimpo ilegal e da atuação dos que movimentam as frentes de garimpo com toda sua logística pesada.

A morte das três vítimas do garimpo, cujas famílias pediram apoio das autoridades para resgatar os corpos, acaba por revelar uma realidade já sabida, mas amenizada pelas autoridades: a atuação do crime organizado nessas frentes de garimpos ativas dentro da terra indígenas.

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Uma pessoa relatou em redes sociais que ao chegar para trabalhar no garimpo, descobriu que era uma facção criminosa que comandava tudo por ali, da frente de garimpagem aos produtos vendidos a peso de ouro e a total submissão dos garimpeiros às ordens dos faccionados.

Significa que, enquanto muitos têm a ilusão de que o garimpo pode mudar suas vidas em termos materiais, a verdade é que, além da ilegalidade dessa prática dentro de terras indígenas, existe uma guerrilha no meio da floresta, pois para lá não vão apenas pais e mães de famílias em busca do sonho de conseguir dinheiro suficiente para comprar uma casa ou dar melhores condições de vida para os seus.

Os depoimentos dos familiares de uma das vítimas revelaram justamente isso, que esta pessoa acreditava que poderia ganhar o suficiente, de forma mais rápida, para melhorar de vida. A pessoa pensava que o garimpo fosse um atalho, mas em mensagens enviadas aos familiares ela caiu na realidade de que estava nas mãos de criminosos, em que teria que se submeter a situações aviltantes.

O garimpo ilegal só tem enriquecido quem financia a grande estrutura, quem transporta toda a logística e quem gerencia as frentes de garimpo a ferro e a fogo, submetendo as pessoas cooptadas à garimpagem e a outras atividades a um trabalho análogo a escravidão. Os números das seguidas operações da Polícia Federal mostram que os milhões e bilhões nas mãos de poucos, enquanto a maioria fica com as migalhas ou com sete palmos de terra sobre o peito.

Enquanto tudo isso ocorre, há uma lentidão das autoridades para montar as estratégias de enfrentamento a este crime bem estrutura, a exemplo da Casa de Governo que até agora não passou de promessa e de um projeto que está apenas no papel – se é que exista mesmo um projeto ou apenas o anúncio virtual de uma vontade política por parte do Governo Federal para dar uma satisfação à opinião pública.

Os três corpos a serem resgatados nos confins da floresta inóspita dentro da Terra Yanomami são apenas uma face dessa realidade. Os povos Yanomami ainda seguem sob ameaça constante (crimes, doenças, fome e drogas) e alguns são cooptados para darem apoio ao crime organizado. O meio ambiente segue sofrendo as mais duras agressões, as quais ajudam a piorar o cenário que se observa a partir das mudanças climáticas.

O enredo da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro, no Carnaval 2024 do Rio de Janeiro, serviu como resumo de um cenário do que o garimpo ilegal vem provocando, ecoando como denúncia ao mundo. Ou o Governo Federal sai do discurso e parte urgentemente para a prática, ou poderio do garimpo ilegal irá se restabelecer com todas as forças. Poder econômico e político eles já provaram que têm… e muito!

*Colunista

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