JESSÉ SOUZA

Execução na madrugada, servidores em protesto e PMs insatisfeitos

Perfil no Instagram faz protesto cobrando reajuste salarial para policiais militares de Roraima (Imagem: Reprodução)

Qual a relação entre Dia dos Pais, mais um venezuelano executado em via pública na madrugada, cobrança dos servidores estaduais por revisão salarial e o protesto dos trabalhadores da Companhia Energética de Roraima (CERR)? Aparentemente, parece não haver qualquer conexão. No entanto, os fatos se desenrolaram durante o fim de semana e estão todos relacionados com o descontentamento do funcionalismo público, inclusive com um cenário de um movimento quase silencioso por parte de policiais militares insatisfeitos.

O que era para ser apenas tom de festivo dedicado aos pais, o clima foi quebrado por um protesto nas redes sociais feito pelos trabalhadores da Companhia Energética de Roraima (CERR). No sábado, enquanto o governador Antonio Denarium gravava um vídeo em uma loja de materiais de construção a fim de felicitar os pais trabalhadores, enaltecendo a empresa por gerar 800 empregos diretos, os funcionários da CERR publicavam uma nota de repúdio por terem recebido seus salários com corte de mais de 50%, provocando um rombo no orçamento doméstico dessas famílias.

Como o governo não pôde demitir sumariamente os 261 funcionários por força de uma decisão judicial, foi feito um corte salarial com a retirada de diretos básicos conquistados pela categoria há 56 anos, como o Auxílio Alimentação e Adicional por Tempo de Serviço (ATS), benefícios este que complementavam a renda devido aos baixos salários, que era uma forma compensatória pela inexistência de um Plano de Cargos e Carreiras (PCCR), sempre negado aos trabalhadores da CERR, empresa que foi extinta após suportar décadas de corrupção, casos estes que nunca tiveram os responsáveis punidos.

No momento em que os trabalhadores da CERR protestavam contra o corte do complemento salarial, que garantiam aos trabalhadores as condições mínimas para manter a suas famílias, as quais já vivem atordoadas pela incerteza diante da extinção da empresa, os representantes do  Sindicato dos Trabalhadores Civis Efetivos do Poder Executivo do Estado de Roraima (Sintraima) e do Sindicato dos Policiais Civis de Roraima (Sindpol) concediam entrevista à Rádio Folha, no domingo, cobrando reposição salarial dos servidores públicos roraimenses de 16,47%, o que corrigiria a inflação acumulada desde 2019.

Como as tratativas não evoluíram, diante da proposta do governo de conceder apenas 5% – e ainda de forma parcelada em cinco vezes, ou seja, 1% de agosto a dezembro – as categorias não veem outra saída senão o protesto. Desta vez, as categorias estão sendo mobilizadas para reunir 5 mil servidores em frente ao Palácio do Governo. Há quem já defenda a greve. Os policiais militares, que não podem participar de qualquer manifestação, também já não escondem a insatisfação por meio de perfis independentes nas redes sociais.

“Alguém em perigo na madrugada friorenta de chuva torrencial precisava do nosso socorro. Onde estávamos? Prontos em patrulhamento combatendo o crime com querência full de 100%. Nossa Missão precípua é Servir e Proteger. Agora, quem virá ao nosso socorro para combater o escárnio de 11 anos sem Reajustes, Promoção e Revisão da nossa Tabela de Remuneração do Subsídio?”, questiona uma postagem no Instagram com teor que tem se repetido para cobrar reajuste salarial.

A revolta só aumentou com a proposta de instalar um posto policial na Rodoviária Internacional de Boa Vista, que foi privatizada por uma empresa baiana, conforme o artigo de ontem. O controle daquela área no entorno da Rodoviária já está sob o domínio de facções venezuelanas, o que significa para os policiais um grande erro instalar uma guarnição no local, sem qualquer planejamento, pois seria colocar ainda mais a vida dos policiais em risco diante de uma ação que visa somente mostrar à população que a Polícia Militar estaria presente, passando sensação de segurança.

Já existe um movimento silencioso que pode ser chamado de “operação tartaruga”, com viaturas paradas nos batalhões, pessoal administrativo no menor esforço e atendimento de ocorrências somente pela ordem de importância, evitando enviar viaturas para chamadas consideradas não urgentes. Ou seja, a falta de reajuste salarial para os policiais já reflete no atendimento à população. A tendência é a situação piorar, uma vez que o descontentamento das demais categorias de servidores provoca reflexos nos policiais militares e civis.

Enquanto tudo isso ocorria, mais um venezuelano foi executado a tiros na madrugada de segunda-feira, no bairro Jardim Caranã, um velho conhecido da polícia por cometer furtos e assaltos. É só mais uma evidência de que um posto policial dentro da Rodoviária é inconcebível, inclusive com reprovação dos próprios policiais. E, também. mais uma constatação de que o Estado não consegue fazer frente à criminalidade, na mesma medida em que fecha os olhos para reposição salarial dos servidores, inclusive retirando direitos dos já desesperados trabalhadores da CERR.

Estamos caminhando para uma realidade que já conhecemos lá atrás, em um tempo não distante, quando crises intensas se instalaram no Estado, com rombo orçamentário que culminou com atraso salarial do funcionalismo público. Os sinais e rumores são muito preocupantes…

 *Colunista

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