Ainda que não possa ser possível medir a índole e o caráter da sociedade por alguma repercussão de fatos nas redes sociais, a análise de dois casos vem bem a calhar nesse momento pelo qual passa o Estado de Roraima, que vivencia várias transformações econômicas e sociais, ainda que de forma lenta. Aos fatos.
Fato 1: Grupo de moradores faz abaixo-assinados contra projeto de construção de moradia popular do Minha Casa Minha Vida e contra o projeto de instalação de um ecoponto nos bairros Caçari e Paraviana, localizados na zona Leste de Boa Vista, considerada área nobre da Capital roraimense.
Fato 2: Chefe de violenta facção venezuelana, preso por contrabando de ouro, que mora no Paraviana, colocou tornozeleira em sósia e fugiu da prisão domiciliar. Importante destacar que o criminoso ainda é investigado por crimes como homicídio, tráfico de armas e extorsão, além de conflitos e ataques armados contra comunidades indígenas em área de garimpo.
No primeiro caso, em que dois importantes projetos foram rechaçados por uma parcela de moradores de uma área nobre, ficou bem clara a repulsa para conceder dignidade habitacional e ambiental para uma parcela de baixa renda, tratando os mais pobres como inimigos a serem expurgados de um convívio social considerado de elite, ainda que seja uma proposta para permitir que assalariados, os quais são os empregados dessa mesma elite econômica e que poderiam ficar mais perto de seus locais de trabalho e morando com dignidade.
No segundo caso, espanta o silêncio de todos sobre um chefe de facção internacional, investigado por crimes atrozes praticados na Venezuela, morando na área nobre que, em vez de estar em uma cela comum do presídio roraimense, estava vivendo no bem-bom de sua residência na área nobre da cidade. Sua fuga espetacular sequer ganhou repercussão nem cobrança por parte da elite que lá vive a fim de exigir das autoridades que criminosos sejam expurgados de seu convívio social elitizado.
Não é possível conceber que construção de moradias populares em área nobre seja tratada com tanto repúdio, enquanto criminoso estrangeiro do narcogarimpo não causa a mínima indignação nas redes sociais, que é a seara preferida das classes econômicas mais abastadas. Ou será que pobres morando em seu meio social seja mais perigoso e deletério que chefe de facção cheio de dinheiro ainda que conquistado de forma ilegal?
A resposta para esse questionamento é crucial para entender a índole e o caráter que estão sendo construídos em nossa sociedade, sabendo que esses valores são fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade saudável e próspera. A ciência já sabe que a falta de índole e caráter pode levar a comportamentos antiéticos e prejudiciais para uma sociedade, especialmente a nossa marcada por fortes contrastes econômicos, culturais, étnico e sociais.
Precisamos discutir seriamente sobre isso, a respeito de nossas relações e valores que estamos construindo, ainda que esse movimento de segregar pobre não seja tão explícito, mesmo que os abaixo-assinados tenham ganhado repercussão nas redes sociais e até na imprensa. Afinal, a história tem mostrado que, quando uma sociedade está se degenerando, os mais ricos ou a elite intelectual logo acha um bode expiatório. E isso vale para a realidade brasileira atual.
*Colunista