JESSÉ SOUZA

Do trisal em Alto Alegre ao título de campeã de emendas parlamentares em São Luiz

Quem acha que o Município de Alto Alegre concentra os mais absurdos casos políticos e policiais dos últimos tempos não está enganado. Corredor do narcogarimpo que tem como base a Terra Indígena Yanomami, a Centro-Oeste do Estado, a cidade também ficou infestada de corrupção, o que não é de se estanhar, uma vez que garimpo ilegal, narcotráfico e safadeza política costumam fazer trisal em qualquer parte do mundo.

Embora seja um fato preocupante, cuja extrapolação foi uma eleição suplementar marcada por denúncias de crimes eleitorais e por uma corrida judicial sem fim, realizada justamente porque o prefeito foi cassado e preso por outras irregularidades, há outras realidades não menos estarrecedoras que precisam ser colocadas à luz. E uma delas é a do Município de São Luiz do Anauá, no Sul de Roraima.

Ali está o fio da meada das barulhentas disputas por prefeituras municipais, em que essas pequenas cidades distantes de Boa Vista aparentemente não passam de localidades pobres e esquecidas. Porém, o caso São Luiz do Anauá foi bem explicitado na matéria intitulada “O estranho caso da pequena cidade campeã em repasses do Congresso”, publicada na revista VEJA de 7 de junho de 2024, edição nº 2896.

A publicação afirma que, “embora minúscula, a cidade recebeu R$ 109 milhões apenas em emendas parlamentares nos últimos quatro anos, 3 665% acima da média nacional per capita”. Os números comprovam que, proporcionalmente, São Luiz é o lugar do país que mais recebeu recursos via repasses do Congresso Nacional. Ou seja, era para aquela cidade ser uma das mais estruturadas do Estado e garantindo o bem-estar de sua população.

O que chama a atenção é que 54% dos R$109 milhões enviados à prefeitura daquela localidade foi por meio das “emenda Pix”, o que significa que o dinheiro do Orçamento federal foi transferido por deputados e senadores diretamente ao município sem qualquer necessidade de ter uma destinação específica, a exemplo de construir uma escola ou um posto de saúde, conforme a VEJA. Apenas no ano passado, São Luiz recebeu cerca de R$60 milhões via emenda Pix.

É um escândalo que não se resume àquele município, pois essa modalidade de transferência possibilita todos os tipos de tramoias, a exemplo de contratar shows de artistas sertanejos, que inclusive foi tentado pelo prefeito de São Luiz, James Batista (SD). Ele chegou anunciar a realização do show de Gusttavo Lima, mas o evento foi cancelado pela Justiça após questionamento do valor do contrato pelo Ministério Público de Roraima, orçado em R$800 mil.

O caso São Luiz pode muito bem ser enquadrado no conteúdo do livro “Nobre Deputado”, do juiz Marlon Reis, que explica como funciona todo o mecanismo das emendas parlamentares, o que é tratado pelo magistrado como dinheiro destinado para enriquecimento ilícito e para financiamento de campanhas eleitorais, restando pouco para investimentos nos municípios. Em resumo, o livro afirma que emenda parlamentar é uma forma legalizada de desviar recursos públicos.

A propósito, esta Coluna já tratou do tema no artigo “Das ambulâncias e mudas de café aos esquemas atuais nos municípios”, em 09/05/2024, que cita São Luiz,  mais precisamente o caso ocorrido em 2021, em que um parlamentar que até hoje está no poder destinou emenda para plantio de café, em que a licitação teve como vencedora a empresa do irmão do político. Os recursos foram liberados, mas nunca uma muda sequer de café foi plantada em São Luiz.

Desde muito tempo essa prática vem sendo usada para desviar recursos. Afinal, tudo é feito para legalizar os esquemas, desde o Executivo atribuindo ao próprio parlamentar o poder de escolher o destino a ser dado aos recursos de sua emenda, inclusive com o acesso do parlamentar direto ao sistema informatizado do governo. Logo, não tem como não resultar em esquemas.

É por isso que São Luiz do Anauá tem todo esse histórico, o qual foi lembrado pela VEJA. Lá o prefeito chegou a ser cassado, mas conseguiu ser absolvido das acusações que partiram das investigações iniciadas depois que a Polícia Federal apreendeu dinheiro escondido em absorventes femininos durante a campanha eleitoral, caso este em que foram denunciados o prefeito, a esposa dele, um servidor municipal e um policial militar.

Agora, o prefeito com apoio de seu grupo lançou a mulher como pré-candidata a prefeita do Município de Rorainópolis, cidade vizinha onde também impera a politicalha. A esposa, Paula Batista, é investigada pela PF por ter apresentado evolução patrimonial incompatível com os rendimentos de servidora pública. Em 2023, o Ministério Público abriu investigação contra ela por suspeita de receber sem trabalhar na Assembleia Legislativa de Roraima.

Enquanto São Luiz do Anauá é campeã absoluta em receber recursos de emendas parlamentares, a população vive de benefícios sociais do Governo Federal e assiste passivamente às obras inacabadas de um portal na entrada da cidade, no valor de R$2 milhões, e de construção de galpões no parque de vaquejada, orçada em R$13 milhões.

*Colunista

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