Enquanto os brasileiros são doutrinados a acreditar que crianças devem trabalhar desde cedo, que vencer na vida depende de meritocracia e que cotas para curso superior devem ser abolidas, no Brasil dos ricos não tem criança e adolescentes trabalhando. Porque os filhos da elite não precisam lutar por meritocracia nem disputar cotas porque eles estão estudando em escolas onde um pobre jamais terá condições de frequentar.
Basta consultar a lista das escolas privadas mais caras do Brasil, que é liderada pela Avenues, seguida pela Graded e Concept, todas em São Paulo, com mensalidades que podem chegar a R$ 15 mil. Não só isso. Para garantir uma vaga nessas instituições de ensino, só a taxa de matrícula custa até R$31 mil. São escolas internacionais com estrutura de ponta, inclusive a campeã de valor tem campus em Nova York.
O custo total para que uma criança estude em uma dessas instituições pode ultrapassar R$ 2,8 milhões ao longo de sua vida escolar, que vai dos 2 aos 17 anos de idade, cujas mensalidades dessas escolas têm apresentado reajustes que variam de 5% a 90% este ano de 2025. E não falta demanda por essa exclusividade com educação de alta qualidade, diante de escolas públicas em outra ponta definhando em sua estrutura física e com professores mal pagos.
Enquanto as escolas públicas não costumam sequer ter uma biblioteca, salas de informática e muito menos laboratórios, as escolas dos ricos oferecem uma variedade de atividades e serviços, que incluem intercâmbios culturais, esportes, aulas de música e desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Por isso são disputadas por famílias abastadas que buscam uma educação diferenciada para seus filhos, os quais estão longe da obrigação de trabalhar até mesmo em casa em tarefas domésticas.
Mas essa realidade de pobre se opor aos seus direitos mais básicos é uma construção que vem de longe, cujas amarras seguem nos dias atuais. Basta lembrar do que ocorreu na década de 1930 com o escritor Graciliano Ramos, um dos mais importantes romancistas brasileiros, que foi preso em 1936 durante o governo de Getúlio Vargas, porque, além de ser opor ao regimento ditatorial da época, defendia igualdade racial e educação pública com fardamento, merenda e dignidade.
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Eleito prefeito da cidade alagoana de Palmeira dos Índios, em 1928, renunciou dois anos depois diante da pressão política e repressão devido a sua postura em favor de justiça social, com aplicação das verbas públicas segundo suas prioridades, ou seja, colocando os interesses individuais acima dos interesses de grupos, os quais foram contrariados. Após deixar a política, foi nomeado diretor de Instrução Pública de Alagoas, em 1933, cargo equivalente hoje ao de secretário de Educação.
Foi nesse cargo que contrariou ainda mais o governo e os grupos políticos, quando sua gestão instituiu a merenda escolar, concurso obrigatório para professores e outras medidas de justiça social, como encher as salas de aula de meninos negros. Em um desfile de 7 de Setembro, Graciliano Ramos bateu boca com um comandante militar ao defender que “criança não era soldado” e que os alunos só iriam marchar se comessem antes e depois, e também se estivessem devidamente calçados e vestidos.
Foi a gota d´água para um secretário de Educação que queria todas as crianças pobres e negras na escola, que lutava para que todos estivessem vestidos, calçados e alimentados. Naquele momento, ganhava corpo um movimento político nacionalista e de extrema direita que tentou tomar o poder no Brasil na década de 1930. E vem desde lá o perigo de ter opinião e lutar por justiça social a partir da escola pública, em que defender merenda escolar e fardamento era “coisa de comunista”.
Por sua postura, Graciliano foi denunciado, detido e ameaçado de fuzilamento pelo general integralista Newton Cavalcanti. Da mesma forma como querem fazer os extremistas de hoje contra quem tem os mesmos pensamentos e idealismo. Enquanto isso, os ricos põem seus filhos em escolas privadas que custam milhões, os quais irão ocupar as melhores vagas das universidades públicas federais, enquanto os pobres querem crianças trabalhando, pregam meritocracia e pedem fim de cotas.
Em Roraima, por sua vez, tem gente que até acha normal escolas públicas cobertas de lona, sob a alegação de que era bem pior antes, porque nem lona havia…
*Colunista