Jessé Souza

Brilho do diamante 07 10 2014 118

Jessé Souza* Não me lembro exatamente o ano. Só sei que era o final da década de 70. Meu pai me pegou pela mão e me levou para vacinar contra a febre amarela. No dia seguinte, cedo da manhã, embarcamos no ônibus para Mucajaí, de onde pegaríamos um transporte para o garimpo de Santa Rosa. Era o início da chamada “febre do ouro”. Vivendo uma situação financeira difícil, meu pai havia decidido que iria garimpar. Havia uma “fofoca” naquela região e centenas de pessoas começaram a entrar para a área indígena. Meu pai, com semblante de preocupação, seguiu comigo em silêncio, sem falar nada. Normalmente, ele era muito falante, me contava muita coisa da vida com riqueza de detalhes. Mas, especialmente naquele dia, havia só semblante fechado, como se estivéssemos em um velório. Descemos em Mucajaí e uma fila começava a se formar. O recrutamento para o garimpo era ali mesmo, no meio da rua, em frente ao ponto de ônibus. Meu pai novamente me pegou pela mão, em silêncio, e ficamos no final da fila. Minha mente de criança esperava o início de uma grande aventura. Então, subitamente, meu pai falou: “Vamos, meu filho. Vamos voltar para casa”. E pegamos um ônibus de volta para Boa Vista. Tenho certeza que foi a decisão mais acertada de toda a vida dele. Salvou a vida de nossa família e a minha vida. Sabe-se lá o que teria ocorrido com a gente. A única certeza era a de que de malária não morreríamos. E eu não estaria aqui, hoje, escrevendo estas mal traçadas linhas virtuais. Talvez seria a nossa última viagem, como ocorreu com centenas de pais de famílias naquele período, iludidos com a riqueza do garimpo, que nunca mais voltaram para suas casas. Meu pai foi garimpeiro por longos anos. Passou pelos garimpos da Venezuela e viveu por muitos anos em busca do brilho ofuscante do diamante na Serra do Tepequém. Tenho na minha memória as mais ricas narrativas daquele período. Meus avós, pais dele, morreram quando ele ainda era adolescente, o que o obrigou a sair “sem eira nem beira” – como ele dizia – por aí e encontrou abrigo no garimpo. O mais incrível de tudo é que ele não se brutalizou. Era um homem polido, de amplo conhecimento da vida, embora de pouca educação formal. Toda vez que passo pelo Monumento do Garimpeiro, na Praça do Centro Cívico, eu me lembro da maior besteira que meu pai iria cometer em nossas vidas. E fico imaginando como tem gente que aceita essa forma criminosa que nossos governantes submetem o Estado de Roraima, matando os sonhos e as esperanças de milhares de pais de família que vivem na dificuldade. Essa maneira inescrupulosa de fazer política é que leva as famílias para esta realidade de desalento, de buscar qualquer saída. O garimpo não existe mais com antes. Porém, hoje, as pessoas têm no seu voto essa ilusão de ser um garimpo a cada dois anos. E não tomam consciência de que estão enterrando a vida de todos nós… *Jornalista [email protected]