– um dos fundadores do jóquei clube

Mesmo aposentado, Benedito Sousa ainda é procurado para atendimento odontológico

Por quase 20 anos, Manoel Benedito Sousa, 86, foi o único dentista dos roraimenses. Cearense de Sobral chegou a Boa Vista no dia 20 de abril de 1952, para exercer o ofício a convite do também dentista Bairton Barreto, que o enviou uma lista de preço dos serviços dentários praticados no, então, Território Federal de Roraima. O recém-formado Benedito ficou impressionado com a tabela de valores cobrada em Roraima e decidiu trocar o interior do Ceará pelo território. Aqui, o preço de uma extração era dez vezes mais caro.

Benedito tinha três irmãos em Boa Vista, Cosmo Meiro de Sousa e Raimundo Calazans de Sousa, já falecidos, além de Damião de Sousa. Raimundo era madeireiro e fornecia o produto para o Governo do Território quando tornou-se amigo de Bairton. Foi do dentista a idéia de mandar para o Ceará a lista dos preços.

“O Raimundo me enviou a tabela e eu decidi vir para o Território. Naquela época, eu trabalhava em dois povoados, Santo Antônio do Acarati e Forquilha, que ficava a três léguas de Sobral. Lá, eu fazia uma extração por cinco cruzeiros, aqui era 50. A obturação com amálgama mais barata era dez cruzeiros, mas aqui saía por 50. Para fazer uma dentadura superior ou inferior completa eu cobrava 60 cruzeiros e aqui não saia por menos de 300”, lembra.

Convencido de que as terras do Rio Branco eram mais promissoras, ele embarcou em um navio até Manaus (AM) e em um avião até Boa Vista. Ao aterrissar no vilarejo – o aeroporto ficava na atual Praça do Centro Cívico – ficou chocado com o tamanho da cidade e apressou-se a ir para a casa de Raimundo, próxima ao igarapé Caxangá.

O dentista trouxe consigo os equipamentos do consultório, que ficara em Manaus à espera do período chuvoso que traria navegabilidade ao Rio Branco. “O consultório só chegou em agosto, quando o rio encheu, no motor do Carlos Gonçalves”, conta.

Enquanto isso, o dentista trabalhava no consultório de Bairton Barreto. “Aos poucos fui conquistando a clientela, de sorte que quando o consultório chegou, eu aluguei um ponto no Centro e comecei a trabalhar até o início da noite, de tanto cliente que eu já tinha”. Parte dos equipamentos está conservada até hoje, em um dos cômodos da casa do dentista, como relíquia.

Quando chegou a Roraima, em 1952, havia apenas dois dentistas em Roraima. Pouco tempo depois, eles foram embora e o cearense atuou sozinho por quase vinte anos, até 1972. Ele atendia em seu consultório particular e também trabalhava para o Governo do Território em Boa Vista e no interior.

O atendimento nas comunidades interioranas, lembra, era feito durante os finais de semana, em uma espécie de mutirão da Saúde, onde havia médicos e o dentista. “Mas eu só fazia extrações no interior”, conta.

O dentista fez faculdade em Belém (PA), junto com dois amigos contemporâneos de escola em Fortaleza. Eles optaram por prestar vestibular na capital paraense devido à concorrência, que era bem menor que no Ceará.

“Em Fortaleza, a faculdade só oferecia trinta vagas e a concorrência era muito grande para um simples morador do sertão. Em Belém havia quarenta vagas e apenas 26 candidatos e, destes, apenas 19 passaram, entre eles eu, o Renato Aguiar e o Raimundo Carneiro”, diz, destacando que havia uma única mulher na turma, Aderlina Lopes, que por sinal era a melhor da sala.

Benedito é o sétimo de uma família com 14 filhos. Preocupado com a educação das crianças, seu pai, Benedito Enoque de Sousa, contratou professores particulares e deixou que todos os filhos freqüentassem a escola, mas apenas Benedito conseguiu cursar o nível superior.

Apesar da educação formal, ele nunca abandonou o gosto pela lida do campo e durante anos investiu o lucro do seu trabalho na agricultura e na pecuária. Dono de uma fazenda em Normandia, em local que atualmente compreende a terra indígena Raposa/Serra do Sol, ele chegou a ter 800 cabeças de gado, mas desfez-se depois que viu-se obrigado a deixar a área devido à demarcação. “Ainda estou esperando a indenização”, relata.

Ele também herdou do pai o gosto por corridas de cavalo. E aprendeu desde pequeno a treinar o animal para ganhar nas pistas. Mas em Roraima não havia jóquei clube, nem cavalos treinados para as disputas para que o dentista pudesse cultivar sua paixão. A saída foi unir-se a outros amantes do esporte para fundar o Jóquei Clube de Roraima.

A primeira corrida realizada em Boa Vista, segundo ele, foi realizada num terreno localizado por trás de onde hoje está o 1 Distrito Policial, na avenida Ene Garcez. Lítio, o potro do dentista, venceu o páreo. No mesmo dia, cavalos pertencentes a Pedro Araújo e a Antônio Pinto participaram de nova disputa. “O cavalo do Pedro ganhou e o Pinto ficou muito sentido. Eu fiquei com o cavalo para ele não vender e fizemos novas corridas”, lembra.

Depois desse episódio, as corridas entraram para o calendário oficial da cidade, no parque de exposições quando este ainda funcionava onde hoje está o Ministério Público Estadual e depois em uma pista próxima ao banho do Caçari, antes de ser construído no bairro Jóquei Clube.

Descontente com a administração das corridas de cavalo no Estado, ele diz que não freqüenta mais o jóquei clube de Roraima. “Mas quando viajo, vou a todas as corridas”, diz.

Benedito é casado com a roraimense Maria Elisa, que foi sua paciente. “Eu a conheci no consultório. Ela foi trazida por uma tia para obturar um dente”, narra. Depois de dez meses de namoro, os dois casaram e o dentista abandonou as três namoradas que deixara no Ceará.

O casal tem dois filhos, Francisco das Chagas e Gesia, além de quatro netos. Geisa é casada mas continua morando com os pais e os três filhos, que se preparam para o vestibular. Nenhum pretende seguir a carreira do avô.

O dentista aposentou-se no governo de Getúlio Cruz, em 1987, após 35 anos de serviço público – incluídos os dois anos e nove meses que passou no Exército. Ele continuou atendendo particularmente até 1994, por causa de comprometimento na visão. “Mas ainda hoje as pessoas me procuram”, confidencia.

Atualmente, ele se dedica à leitura, o passatempo preferido. Gosta de geografia – reclama do uso inadequado de termos como igarapé para denominar os riachos que cortam Boa Vista – mas é nos livros de ciências humanas que gasta a maior parte do seu tempo. “Me interessa muito a anatomia do corpo humano”, revela o dentista que queria ser médico, mas desistiu depois que foi obrigado a abandonar os estudos para servir ao Exército.