Não houve muita repercussão a negociação entre os governos dos Estados Unidos (EUA) e da Venezuela, que libertou 10 cidadãos norte-americanos na sexta-feira passada, 18, em troca do retorno de mais de 250 imigrantes venezuelanos que estavam detidos em El Salvador, para onde foram deportados pelo governo dos EUA durante a implementação das políticas migratórias adotadas pelo presidente norte-americano Donald Trump.
Importante destacar é que a operação de deportação dos venezuelanos gerou polêmica porque Trump invocou a Lei de Inimigos Estrangeiros, legislação do Século 18, com a finalidade de remover rapidamente do seu país homens que ele acusou pertencer à facção venezuelana “Tren de Aragua”, declarada pelo próprio Trump como um grupo narcoterrorista. É aqui que o assunto interessa a Roraima, neste momento em que Boa Vista registra assassinatos seguidos de venezuelanos.
É de conhecimento público que esta violenta facção venezuelana, Tren de Aragua, penetrou em solo roraimense durante o acirramento da crise imigratória em 2019, junto com outras facções, como Los Pandas e Sindicato do Crime, esta última também que tem na extrema violência sua forma de atuar. Como as autoridades, em todos os níveis de governo, fecharam os olhos para este gravíssimo problema, os criminosos venezuelanos ganharam poder em Roraima, especialmente na Capital.
Com a chegada dos criminosos estrangeiros, deu-se início a uma guerra entre facções venezuelanas e as brasileiras Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), que haviam se estabelecido em Roraima. Como se tratava de crimes entre bandidos, as autoridades fingiram que não estava ocorrendo nada e alegavam uma “criminalidade importada” no ano de 2021, quando o Instituto Médico Legal (IML) registrou 213 homicídios, sendo 46 brasileiros (68,5%), cujos corpos foram desovados no Anel Viário, e 67 venezuelanos (31,5%).
Com a corrida ao garimpo ilegal nesse mesmo período, com o PCC passando a dominar o crime organizado em Roraima, inclusive passou a investir no ouro extraído ilegalmente da Terra Indígena Yanomami, houve um novo redesenho do crime, com os faccionados brasileiros se aliando aos faccionados venezuelanos para que pudessem atuar em conjunto nos crimes praticados no garimpo e na comercialização do ouro, metal que virou moeda corrente na Venezuela.
Nesse ínterim, em vez de se organizar, a Segurança Pública roraimense enfraqueceu-se, com políticos e autoridades dando apoio ao garimpo ilegal, com explícito envolvimento de policiais militares com corrupção e ações criminosas no mercado da droga e do ouro, atuando na segurança de pistas clandestinas, no roubo de bens apreendidos e na pistolagem, conforme as investigações em curso na Polícia Federal e no Ministério Público.
Embora tenha sido criada, em 2019, a Força-Tarefa de Segurança Pública (surgida a partir da FICCO, Força Integrada de Combate ao Crime Organizado), isso não foi suficiente para conter o crime organizado. Como naquela época as autoridades não tiveram forças suficientes para enfrentar os criminosos, hoje Boa Vista presencia novo fortalecimento de facções venezuelanas que agem de forma violenta, matando em via pública. Não pode ser esquecido o cemitério clandestino que era usado por faccionados venezuelanos.
Da mesma forma que muitos achavam que, em 2019, eram bandidos matando bandidos numa guerra entre facções venezuelanas e brasileiras, hoje encontramos uma realidade muito parecida, em que há quem não ligue por achar que são bandidos estrangeiros se matando em disputa por território. No entanto, com os EUA devolvendo criminosos que integram a facção Tren de Aragua, não é insensato acreditar que esses faccionados devolvidos para a Venezuela possam vir para o Brasil, mais precisamente para Roraima.
Esse é o contexto que deve chamar a atenção não apenas das autoridades roraimense nesse momento de seguidos assassinatos de venezuelanos em Boa Vista, mas também das autoridades federais. Ou vão deixar para agir quando a criminalidade estourar de novo, como ocorreu em 2021?
*Colunista