Uma das qualidades de Boa Vista são as praças públicas, que servem não somente para lazer, esporte e até mesmo para realizar aniversários e piqueniques nos fins de semana, mas também representam espaços culturais ou simbolizam momentos históricos que abrigam verdadeiras obras de arte ao ar livre. No entanto, o vandalismo tem sido responsável pela depredação do patrimônio público, com esculturas danificadas ou pinchadas
Um desses locais é a Praça da Integração, localizada exatamente atrás do Miniterminal de Ônibus na Praça do Centro Cívico, ladeada pela Torre da Embratel e da sede da Secretaria Estadual de Educação (Seed). Ali começa o Complexo Poliesportivo Ayrton Senna, na Avenida Capitão Ene Garcez, que se estende até a entrada para o Aeroporto Internacional de Boa Vista.
Inaugurada em 1992 pelo prefeito Barac Bento, a Praça da Integração abriga três estátuas de cimento que simbolizam o indígena, o garimpeiro e o fazendeiro. Reformada em 1999, na gestão do então prefeito Ottomar Pinto. Depois, só foi lembrada recentemente, quando foi reformada, com ampliação do calçamento e ganhando mais alguns bancos e mesas para jogos, além de nova pintura.
Embora seja ignorada pelo público, a praça narra um momento histórico que marcou os povos indígenas, os primeiros habitantes, os fazendeiros, que sugiram a partir da introdução da pecuária em 1830, e os garimpeiros, que representam a mão de obra de uma forte atividade econômica na década de 1930 com a descoberta de diamante na Serra do Tepequém. Embora sejam verdadeiras obras de arte, cuja autoria é do esculturo Coelho, há uma simbologia não explícita que vai além do significado cultural e artístico.
Não se sabe como nem quando, mas em algum momento o local passou a ser chamado de Praça da Cultura, talvez por expor os três personagens responsáveis pela formação cultural de Roraima. No entanto, naquela época, o Estado passava por um momento de ebulição com intensos conflitos entre povos indígenas, garimpeiros e fazendeiros na disputa territorial, com os indígenas tentando garantir seus direitos e a posse tradicional de suas terras diante do avanço das fazendas e dos garimpos.
Então, a ideia central dos elementos visuais que compõem o cenário da praça era simbolizar o desejo de promover a paz e a integração desses três personagens representados nas esculturas. Daí as estátuas estarem fincadas em três colunas de concreto ao alto do minianfiteatro em semicírculo, composto por cinco degraus que ficam de frente para um círculo, que é o palco para encenações teatrais apresentações culturais ou mesmo palestras e debates com o propósito de propor um suposto diálogo de integração.
Porém, existe um simbolismo implícito, que é a estátua do indígena – de aparência jovem e usando uma tanga tradicional – empunhando um arco e flecha (que foram vandalizados) apontando para frente, como se estivesse pronto para guerrear ou enfrentar quem chega e, portanto, sugerindo a ideia de que precisa ser “civilizado”. Enquanto as estátuas do garimpeiro e do fazendeiro estão de frente uma para a outra, como símbolos de atividades econômicas e sugestionando estarem prontos para o diálogo.
A estátua do garimpeiro na extremidade direita está de chapéu, calças curtas e sem blusa, segurando uma bateia com a mão esquerda e uma pá apoiada no ombro direito, em uma posição de quem está olhando direto para a estátua do fazendeiro, que por sua vez está fincada na extremidade direita do anfiteatro, com chapéu de couro e botas, um laço (que também foi destruído pelo vandalismo) e com o braço esquerdo esticado para frente, deixando a entender que foi um desbravador ou que cumpriu o papel de bandeirante.
Seja qual for a interpretação, a praça foi erguida dentro de um contexto histórico no qual a imagem ganha sentido e representação de acordo com o que os políticos e governos pensavam naquele momento. Fora isso, é um bom local para fazer reflexões (históricas ou não) ou passar o tempo, como fazem trabalhadores de órgãos públicos e empresas no entorno daquela região central de Boa Vista que quase não é lembrado pelas pessoas que por lá passam muitas, vezes sem notar ou olhar para as obras de arte que lá estão.
Não só a Praça da Integração foi alvo do vandalismo enquanto esteve praticamente esquecida por um período sem manutenção ou reforma. Outras praças que narram a História de Roraima também foram atacadas, como o Monumento ao Garimpeiro, em frente à Orla Taumanan, a escultura do Tamanduá Bandeira, na praça da Intendência, que foi pinchada, e a Praça da Bandeira, que abriga um dos canhões do Forte São Joaquim. É preciso que o poder público esteja de olhos atentas a isso, recuperando o que foi depredado e preservando a nossa História e Cultura.
*Colunista