OPINIÃO

Sistema Nacional de Cultura 6: Ingredientes para uma política cultural dinâmica

Mestre Biriba – Jefferson Dias

Éder Rodrigues dos Santos

A política cultural no Brasil vive um momento decisivo. A articulação federal por meio do Ministério da Cultura (MinC) e a execução local em cada estado da Amazônia Legal vêm definindo os rumos da produção cultural regional. Em Roraima, começamos a perceber os efeitos práticos dessas iniciativas. Mas ainda há muito a avançar. Enquanto economia da cultura, há três possibilidades de promoção cultural: o orçamento interno das pastas; as leis federais e; a iniciativa privada que é acionada por meio da Lei de Incentivo à cultura do estado pela renúncia fiscal do ICMS.

Do ponto de vista das verbas federais, é correto afirmar que, desde o governo Lula, o orçamento do Ministério da Cultura ampliou-se substancialmente, ultrapassando R$ 10 bilhões em 2023, incluindo recursos da Política Nacional Aldir Blanc 2 (PNAB) e da Lei Paulo Gustavo (LPG). A lei Rouanet ganhou novos contornos para melhorar a distribuição regional, democratizando o acesso, com programas específicos como o Rouanet Norte, Rouanet Nordeste, Rouanet da Juventude e Rouanet nas Favelas. Isso revela uma retomada do investimento cultural em patamares históricos.

Mesmo com esse esforço federal, cabe perguntar do ponto de vista local: será que tais efeitos chegaram de fato à Amazônia Legal? Em Roraima, a resposta é moderadamente positiva. O governo estadual executou 98,2 % dos R$ 27,82 milhões repassados via Lei Paulo Gustavo, destinando R$ 20,28 milhões ao audiovisual e R$ 7,54 milhões a outras áreas artísticas. A capital, Boa Vista, recebeu quase R$ 5 milhões, reforçando o protagonismo local.

Além disso, o estado lançou editais da lei Aldir Blanc com investimento de R$ 13 milhões, distribuídos entre fomento, premiação e subsídios a espaços e redes culturais. De certo, um pouco atrasado em relação a agenda nacional. De outra forma, esse diálogo com coletivos locais envolveu escutas públicas que ganharam força em edições sob a tutela da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) e nas conferências para a execução das legislações, inclusive, fomentando a formação de artistas locais sobre como desenvolver um projeto, execução e entrega dos produtos com relatórios de prestação de contas. Quanto as escutas e movimentação do poder público para atender esta obrigatoriedade, evidenciou-se a tentativa de construir mais transparência e participação (poder público, secretárias, Conselho de Cultura e comunidade artística). Para reflexão: As escutas foram positivas? As demandas foram anotadas e atendidas?

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Contudo, nem tudo são flores, nem sempre nossas vozes ecoam. Segundo a ALE-RR), Roraima é o estado que menos utilizou os recursos da Lei Paulo Gustavo, o que motivou alertas do Ministério da Cultura e propostas de capacitação para agentes culturais. A questão central é: se temos verba, por que ainda sobraria em muitos municípios? No Amazonas, enquanto isso, o indicador é inspirador: 96,6 % de execução da Lei Paulo Gustavo – totalizando R$ 89,5 milhões, sendo R$ 65,3 mi para audiovisual e R$ 24,2 mi para artes diversas. Além disso, a PNAB garantiu mais de R$ 68 milhões para o Amazonas até 2027, e o governo estadual contabilizou mais de R$ 106 milhões em ações culturais entre 2019 e 2024.

Apesar dessas disparidades, o esforço nacional de descentralização existe: a PNAB repassa até R$ 14 milhões anuais a Roraima nos próximos cinco anos. Em abril-maio de 2025, editais foram abertos com recursos da Aldir Blanc, colocando Roraima em posição de protagonismo com cinco certames e prazos adequados à comunidade, executado pelo estado. Esses dados sugerem um avanço, mas a execução plena ainda depende da própria base cultural – artistas, produtores e coletivos. Em Boa Vista, a Prefeitura promoveu debates sobre a lei Aldir Blanc para construir regulamentação participativa, e já houve certificação de 480 projetos em Roraima, associados a R$ 11,3 milhões de recursos.

Pelo lado positivo, há investimento, escutas ativas e prêmios. Mas, por outro, há fragilidades: baixa capacitação técnica, excesso de burocratização, desigualdade entre municípios e necessidade de estruturação mais efetiva dos agentes culturais. A exemplo do que já ocorreu em outros estados, como Amazonas, Roraima precisa fortalecer o diálogo entre governo e sociedade civil, aprimorar processos e ampliar a interiorização dos recursos.

Em resumo: os ingredientes para uma política cultural sólida em Roraima estão aí – orçamento, leis, editais e participação. Falta, no entanto, dar o próximo passo: transformar esse cenário em cultura vibrante, diversificada, acessível e descentralizada, que atinja todos os cantos do estado. Resta, sobretudo, mobilizar as riquezas locais – indígenas, ribeirinhas, caboclas, economia criativa, criação dos Sistemas Municipais de Cultura em todos os municípios, para que, de fato, a cultura floresça em cada canto da Amazônia.

Jefferson Dias (Mestre Biriba), é mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN; Especialista em Filosofia da Religião (UERR), Pós-graduado em docência do nível Superior e Bacharel em Direito e Pós-graduando em Compliance, Governança Corporativa e ESG. Conselheiro Estadual de Promoção da Igualdade Racial do Estado de Roraima – CONSEPIRR, Membro do grupo de Estudo e Pesquisas em Africanidades e Minorias Sociais (UFRR), membro do Comitê Gestor da salvaguarda da Capoeira de Roraima e do Comitê Pró-Cultura Roraima, Membro da Federação Roraimense de Capoeira – FERRCAP, Mestre de Capoeira pelo Grupo Senzala e Fundador do projeto social Instituto Biriba – Educar para transformar.

Éder Santos é Doutor e Mestre em Geografia Cultural, jornalista, sociólogo, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas da Universidade Federal de Rondônia; membro associado da Mostra Internacional do Cinema Negro (SP); do Comitê Pró-Cultura Roraima. É presidente da Associação Roraimense de Cinema e Produção Audiovisual Independente (Arcine).

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