Sebastião Pereira do Nascimento*
Desde tempos remotos, os humanos buscam explicações para a formação e evolução do universo. Modernamente, devido a uma série de avanços no campo da física, deu-se a descoberta de outros planetas fora do sistema solar, os chamados exoplanetas em zonas habitáveis, algo extremamente memorável que pode levar a uma visão mais terrena e menos dependente de explicações baseadas em crenças religiosas ou transcendentes. Essas descobertas também enfraquecemos argumentos de que a Terra ocupa uma posição especial no universo, como sendo o único lugar com condições viáveis para a vida.
É importante ressaltar que a relação entre a existência de exoplanetas e a negação de um criador divino envolve diferentes questionamentos entre a ciência e a religião. Onde a ciência busca explicações racionais para os fenômenos naturais, enquanto a crença em um criador pode ser uma questão de fé que, ao longo do tempo, vem contradizendo com as sucessivas descobertas científicas.
Nesse contexto, um dos principais argumentos em que a ciência contribui para novos achados sobre o universo está relacionado à descoberta, em 1992, de um planeta que orbita uma estrela fora de nosso Sistema Solar. Esse achado contribuiu substancialmente para que o físico britânico Stephen Hawking (1942 – 2018) — primeiro cientista a estabelecer uma teoria cosmológica fundamentada a partir da teoria da relatividade e da mecânica quântica — optasse por uma ruptura com seu posicionamento anterior, defendido por vezes sob a luz da ciência e da religião, como consta no livro “Uma Breve História do Tempo” (título original: “A Brief History of Time” – 1988), onde ainda sugeria que poderia haver um papel divino por trás das leis da física.
Ao tomar mais consciência da realidade cósmica a partir da existência desse exoplaneta, Hawking invalida a ideia de que o universo foi projetado especialmente para abrigar a vida humana e passa a desconstruir os enunciadosdo matemático e astrônomo inglês Isaac Newton (1643 – 1727) de que o cosmos não poderia ter surgido do caos e que teria sido cuidadosamente criado por Deus. Diante da escalada da física, Stephen Hawking passaria, então, a sugerir que a ideia de Deus ou de um ser divino não é necessariamente incompatível com a compreensão científica do universo.
Assim, admitindo uma transformação na sua maneira de pensar, ainda que não se tratasse de uma mudança automática, mas de um reconhecimento de que as lentes através das quais se vê o mundo sempre serão alteradas, no livro “O Grande Desígnio” (título original: The Grand Design), o físico britânico em coautoria com outro físico, o estadunidense Leonard Mlodinow, afirma de forma mais categórica que “Deus não criou o universo”, ou seja, o universo se fez pelas suas próprias leis. A obra, lançada em 2010 e que continua repercutindo entre estudiosos e religiosos, apresenta uma nova visão sobre a origem do cosmo, sustentada por leis naturais como a gravidade.
Refletindo incessantemente sobre as questões do universo, Stephen Hawking, conhecido por seu trabalho sobre buracos negros e relatividade geral, muitas vezes saiu de seu campo de pesquisa e usou seu vasto conhecimento sobre as questões humanas — e outros temas como alienígenas e o fim do mundo — para destacar coisas que observava como os grandes desafios e ameaças existenciais para a humanidade.
Ainda com ideias futuristas e provocativas, na obra “The Grand Design”, Stephen Hawking reforça seu legado científico, demonstrando uma posição mais rígida em relação à religião, dizendo que “Deus não tem mais lugar nas teorias sobre a criação do universo”. Na mesma obra, reafirma também que o Big Bang (a grande explosão que deu origem a tudo) foi simplesmente uma consequência natural da lei da gravidade, sem a intervenção de um criador. Sobre isso, Hawking acrescenta que “não é necessário que evoquemos Deus para iluminar as coisas e criar o universo”.
Na mesma linha, ele argumenta que a existência do universo pode ser explicada pela ciência, especificamente pelas leis da física, tornando desnecessária a presença de uma entidade divina para tal. Essa declaração sobre a criação do universo, postulada por Hawking (vista estritamente sob um ponto de vista científico, e não religioso), causa bastante controvérsia, especialmente entre aqueles que acreditam em um Deus criador, no entanto, tal declaração é escrupulosamentecoerente com a abordagem científica de buscar explicações racionais e baseadas em evidências para os fenômenos naturais. Por exemplo, “por haver uma lei como a gravidade, o universo pode e irá criar a ele mesmo. Essa é a razão pela qual o universo existe e pela qual nós existimos”, escreve o célebre cientista em seu destacado livro “The Grand Design”, publicado em série no jornal “The Times”.
Todas essas contribuições também foram ratificadas em “Breves Respostas para as Grandes Questões” (título original: Brief Answers to the Big Questions), sendo a última obra publicada em vida por Stephen Hawking. O livro foi lançado postumamente em outubro de 2018, alguns meses após sua morte. A obra reúne respostas do físico para algumas das perguntas mais intrigantes e profundas sobre o universo, a vida e o futuro da humanidade.
Mesmo após sua morte, em 2018, as obras de Hawking continuam influenciando discussões sobre as origens do universo e os limites do conhecimento humano. Segundo o próprio físico, fatores como a posição da Terra em relação ao Sol e as características do nosso sistema planetário não são mais vistas como únicas ou planejadas por Deus, mas como coincidências naturais regidas por princípios da física quântica e pela teoria-M — estudo proposto em 1995 pelo físico Edward Witten, a qual diz que tudo (matéria e tempo) é formado por membranas e que flui através de diferentes dimensões —, que busca unificar as leis da física em uma explicação abrangente, ocorrente também em outros lugares do universo, além do sistema solar.
Uma das mais triunfantes tentativas do homem de alcançar o espaço sideral aconteceu em 24 de dezembro de 1968, quando os três astronautas da missão Apollo 8 entraram pela primeira vez em órbita lunar (dando dez voltas em torno do satélite natural da Terra), tornando-se os primeiros seres humanos a ver a “face oculta” da lua e desfrutar de uma visão inédita. Naquela ocasião, o piloto do módulo lunar William Anders, em transmissão ao vivo, mostra imagens da Terra e da Lua que podiam ser vistas a partir da cápsula dos astronautas no espaço. Num dado momento, W. Anders pegou a Bíblia e leu em Gênesis 1:1 o versículo inicial do primeiro livro sagrado: “No princípio, Deus criou os céus e a terra”.
Apesar dessa emblemática expressão, desde o início da existência do homem, os fenômenos que vemos ao nosso redor têm permanecido como um evidente testemunho da existência de forças naturais que resultam em efeitos que levam a mudanças ou alterações no universo. Isso pode envolver a sua expansão, a formação de estruturas cósmicas como galáxias e estrelas, ou até mesmo a evolução da matéria e energia ao longo do tempo cósmico.
No que consiste nesse modelo cosmológico, a física moderna revela, através de exames objetivos e provas, diferentes questões a respeito de como o universo se originou e quem o sustenta. Tais revelações levaram os físicos Stephen Hawking e Leonard Mlodinow a uma apreciação conclusiva de que “não há um Deus pessoal que criou o universo, mas algo natural que mostra a ideia de que o próprio universo não tem uma história única, nem mesmo uma existência independente”. Portanto, diante das tantas evidências suscitadas pela ciência, em lugar da citação bíblica referida pelo astronauta William Anders, podemos citar a expressão que melhor define a natureza cósmica pressuposta por Hawking e Mlodinow: “no princípio, o universo era governado pelas leis físicas e não precisou ser colocado em movimento por um deus” (Stephen Hawking e Leonard Mlodinow, O Grande Desígnio [The Grand Design], pág. 135).
*Filósofo, escritor e consultor ambiental. Autor de vários artigos científicos e autor dos livros: “Sonhador do Absoluto” e “Recados aos Humanos”. Membro editorial da revista “Biologia Geral e Experimental”.