DSEIs YANOMAMI E LESTE

Profissionais da Saúde Indígena denunciam precariedade em Polos de Roraima, apesar de sentença judicial

Profissionais da saúde relatam colapso logístico, estrutura precária, risco à saúde, além de falta de medicamentos e materiais

Situação vivenciada em polos base Yanomami foi gravada pelos profissionais de saúde. Foto: reprodução/vídeo
Situação vivenciada em polos base Yanomami foi gravada pelos profissionais de saúde. Foto: reprodução/vídeo

Em meio à floresta, longe dos olhos da gestão pública, profissionais da saúde indígena vivem uma realidade marcada pelo descaso. Apesar de uma sentença judicial favorável e de mobilizações anteriores, servidores que atuam nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) Yanomami e Leste denunciam que a rotina nos polos e subpolos de Roraima segue marcada por precariedade e sofrimento físico e emocional.

Relatos enviados à Folha revelam que, mesmo com o reconhecimento da escala de trabalho 30×30 por decisão da 1ª Vara do Trabalho de Boa Vista, o direito ao descanso continua sendo desrespeitado. Os servidores afirmam que continuam tendo apenas 15 dias de descanso para 30 trabalhados.

“Eles nos dão 15 dias de arejo trabalhados 30, porém, além de sairmos sempre atrasados, o dia da nossa saída já conta como nosso dia de folga. O dia que entregamos nosso rancho, fazemos pesagem e exames também conta como nosso dia de folga. O dia do embarque, que passamos jogados na [empresa de viagem aérea] ou na pista do Surucucu, também conta como folga. Mas, se sairmos do polo sem a produção, ficamos sem pagamento, pois dizem que a produção é o comprovante de que realmente trabalhamos”, detalhou um servidor, que não quis ser identificado, que atua para a saúde Yanomami.

Outro problema recorrente é a logística aérea. Embora o governo federal tenha repassado cerca de R$ 170 milhões para a operação de três helicópteros, profissionais afirmam que apenas uma aeronave tem sido utilizada há mais de um ano, o que prejudica o transporte de equipes, forças militares, pacientes, materiais e até bagagens pessoais. Conforme a denúncia, a situação ocasiona até extravio e atrasos de voos.

Histórico de denúncias

Para relembrar, no dia 11 de março deste ano, a presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Privados de Serviço de Saúde de Roraima (Siemesp-RR), Joana Gouveia Mendes, convocou assembleia extraordinária diante das constantes denúncias sobre atrasos salariais, falta de pagamento de adicionais, insegurança nos territórios e péssimas condições de trabalho. A paralisação foi aprovada no dia seguinte.

No dia 1º de abril, o juiz Gleydson Ney Silva da Rocha deferiu sentença favorável aos trabalhadores, determinando o cumprimento da escala 30×30, reforma nos alojamentos, fornecimento de água potável, gás de cozinha, uniformes e contratação emergencial de profissionais, além de fixar o pagamento de indenização coletiva superior a R$ 300 mil.

Falta de estrutura

Além da desorganização no transporte, a falta de estrutura nos polos de saúde e alojamentos se repete em todas as áreas. Segundo os servidores, há locais sem água encanada, sem banheiro, sem saneamento básico e com energia elétrica limitada a geradores. Em muitos casos, é preciso coletar água da chuva para consumo.

“Quando vamos em missão, o atendimento é improvisado. Levamos a saúde, a humanidade e o amor. Mas é em meio a redes apertadas, com goteiras, sem segurança e sob calor extremo que fazemos os atendimentos. Dormimos onde dá”, descreveu uma servidora.

A situação mais dramática foi registrada no Polo Base Palimiu, na Terra Indígena Yanomami, onde uma enfermeira – que não será identificada, com 13 anos de atuação na saúde indígena, gravou um desabafo após atender vítimas de um conflito entre comunidades indígenas. Para ela a falta de estrutura abala física e psicologicamente os profissionais que atuam no local.

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“Esses pacientes chegaram todos feridos, um com flechada no olho, outro com suspeita de perfuração pulmonar. A casa aqui está deteriorada, sem estrutura para acomodar ninguém. Nem banco, nem maca. Estamos com mais de 16 profissionais, alguns dormindo em tapiris ou ao relento. Eu mesma estou dormindo do lado de fora. […]

Não estou exigindo um hospital moderno. Só peço um olhar diferenciado. São mais de 700 indígenas aqui no Palimiú. Nós precisamos de socorro. Estamos adoecendo aqui. Fisicamente, emocionalmente. A estrutura da casa é um risco. O banheiro está desabando. O piso é irregular. A gente não aguenta mais. Isso mexe com o psicológico“, disse a profissional.

Milhões para retirada de lixo

Contrato milionário firmado em 2024 com ONG visa o recolhimento de lixo na TI Yanomami causado, principalmente, pela entrega de cestas básicas às comunidades indígenas. (Foto: reprodução/Forças Armadas)

Paralelamente à situação precária nos polos base, no ano passado, o governo federal firmou um contrato de R$ 15,8 milhões com a Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do Brasil (Unisol Brasil), para a retirada e destinação adequada de resíduos sólidos acumulados em dez bases da Terra Indígena Yanomami. Contudo, profissionais de saúde e lideranças indígenas relatam que o lixo segue acumulado nas áreas atendidas, sem qualquer indício de que a operação tenha sido de fato iniciada.

O projeto previa ainda a capacitação de catadores de materiais recicláveis e ações de educação ambiental junto às comunidades, em uma tentativa de mitigar os impactos ambientais e sanitários causados pelo acúmulo de lixo, especialmente das embalagens das cestas básicas entregues como parte da ajuda humanitária. Pela falta de respostas, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) protocolou quatro requerimentos para cobrar explicações do governo federal.

Crise também atinge o DSEI Leste

Indígenas conseguem reunião com secretário
Movimento indígena ocupou sede do DSEI Leste em Boa Vista no dia 14 de maio deste ano. (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

Além das denúncias sobre os polos na Terra Yanomami, lideranças dos povos macuxi, taurepang, wapichana, patamona, ingaricó e xirixana também alertam para o colapso na estrutura do DSEI Leste. Em manifesto assinado no início deste ano, representantes indígenas relatam a ausência de medicamentos e a falta de transporte para remoção de pacientes.

Segundo os indígenas, a crise na saúde vem sendo discutida desde dezembro de 2024, sem avanços concretos. As lideranças atribuem a situação à má gestão, ausência de conhecimento técnico e omissão institucional. A situação é acompanhada de perto pela Folha desde as recentes trocas de coordenadores e manifestação da população indígena na sede distrital em Boa Vista.

O que diz o Ministério da Saúde

Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), informou que ampliou em 88% os repasses ao Distrito Sanitário Especial Indígena Leste de Roraima (DSEI LRR), que passaram de R$ 77 milhões em 2022 para R$ 145 milhões em 2024. Já no DSEI Yanomami, o aumento foi de 181%, com os valores saltando de R$ 99 milhões em 2022 para R$ 279 milhões neste ano.

Segundo a pasta, “para reforçar a logística aérea nos atendimentos de saúde, o Ministério da Saúde mantém contratos ativos nos dois distritos”. No DSEI Leste, o contrato prevê o uso de aeronave monomotor para transporte de equipes, insumos e remoções. Em 2024, teriam sido realizados 682 voos, e 433 até o momento em 2025. No DSEI Yanomami, o contrato em vigor desde 2024 contempla quatro tipos de aeronaves, incluindo helicópteros e serviço aeromédico. Ao longo de 2024, teriam sido feitos 5.155 voos e, em 2025, 3.380 operações aéreas até agora.

Sobre a destinação de resíduos sólidos, a SESAI explicou que atua apenas em caráter consultivo no projeto de logística reversa, conduzido por meio de parceria entre o Ministério do Trabalho, o Ministério dos Povos Indígenas e uma Organização da Sociedade Civil (OSC). “A SESAI participa do projeto em caráter consultivo, não sendo responsável pela execução direta do contrato”, destacou o órgão.

Em relação à escala de trabalho, a secretaria afirmou que realiza “acompanhamento e fiscalização permanentes, respeitando as características de cada território e a legislação vigente”. De acordo com o posicionamento, o DSEI Yanomami adota majoritariamente a escala 30×15 para as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena, com variações como 15×15 e, eventualmente, 30×30 para médicos. Já no DSEI Leste, a escala praticada seria de 20×10 para as equipes e 15×15 para os médicos.

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