JESSÉ SOUZA

Esfacelamento da licença ambiental e a autodeclaração que beneficiava o garimpo

Projeto do licenciamento ambiental será encaminhado para análise na Câmara Federal (Foto: AFP)

Sobram muita controvérsia e dúvidas sobre o Projeto de Lei 2.159 aprovado no Senado Federal, na semana passada. Chamado de Lei Geral do Licenciamento Ambiental, o PL estabelece normas gerais que passarão a valer em todo o território nacional e que poderão ser aplicáveis pelos órgãos ambientais das três esferas de governo, beneficiando todos os empreendimentos e atividades que utilizam recursos ambientais capazes de causar degradação ambiental.

O que chama a atenção é que o projeto institui a autodeclaração no lugar de avaliação técnica, quando os proprietários e empresários poderão obter licenças ambientais com base apenas em declarações próprias, sem necessidade de estudos de impacto ambiental.  Só aí já é um grande motivo para se preocupar, pois um dispositivo muito semelhante a este permitiu viabilizar o avanço do garimpo ilegal no país até bem pouco tempo, especialmente nas terras indígenas, quando foi questionado no Supremo Tribunal Federal (STF), no ano passado.

Até então, a legislação permitia a autodeclaração de boa-fé na venda de ouro no Brasil. Bastava a pessoa chegar para vender ouro junto às empresas e declarar que a origem seria legal, o que permitia legalizar o minério proveniente de garimpos ilegais em áreas protegidas e terras indígenas. Foi um desastre para o país e seguiu assim até recentemente, quando o STF acabou com a presunção da boa-fé no comércio de ouro. Depois, surgem narrativas de que o Supremo mantém uma “ditadura” no país, quando a verdade mostra que os políticos agem de forma deliberada para beneficiar setores da sociedade.

Fatos exemplares ocorreram em Roraima, recentemente, quando foram sancionadas leis estaduais liberando o garimpo com uso de mercúrio e proibindo agentes ambientais e policiais estaduais de apreenderem veículos e maquinários do garimpo, legislações estas derrubadas pelo STF. No caso do PL que afrouxa o licenciamento ambiental, que agora seguirá para apreciação da Câmara, se não for amplamente debatido junto à sociedade, certamente será outro caso que irá parar nas mãos dos ministros do STF.

O fato é que, além das críticas de que o projeto desmonta um dos principais instrumentos de proteção ao meio ambiente e de milhares de comunidades que podem ser afetadas por esse afrouxamento, é preciso destacar que o que foi feito no Senado fugiu de qualquer debate técnico e foi tomada uma decisão política com a óbvia intenção de liberar grandes empreendimentos a qualquer custo, especialmente neste momento de discussão sobre exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas.

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O que se espera é que, na Câmara Federal, o PL passe por um debate sério e técnico, uma vez que a norma que vale no país sobre processo de licenciamento ambiental é de 1997 (Resolução Conama 237). Ou seja, 28 anos sem discussão para atualização e modernização das normas da política ambiental, a fim de impedir a imensa burocracia, desmantelos dos órgãos ambientais e máfias que surgem dentro da grande confusão que se tornou o processo paquidérmico até chegar no licenciamento.

Em um momento de grandes avanços tecnológicos e de fartos estudos científicos, é inadmissível que os processos ambientais levem anos para serem concluídos, em uma morosidade vergonhosa, em óbvios prejuízos ao desenvolvimento do país, com avaliações de impactos ambientais que não acompanham os novos tempos, além da contaminação por viés ideológicos de esquerda/direita que só ampliam as distorções.

Fica bem claro que, apesar desses desafios que precisam ser debatidos e superados, diante normas e processos que precisam ser atualizados, não justifica liberar o licenciamento com apenas a assinatura de uma autodeclaração, como querem os políticos aliados de grandes corporações. Afinal, já sabemos no que deu a presunção da boa-fé no comércio de ouro, quando não apenas houve sérias agressões ao meio ambiente, como surgimento de outros crimes, a exemplo do narcogarimpo, que abre portas para outras máfias.

*Colunista

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