JESSÉ SOUZA

Preocupantes conexões de mais uma operação da PF que investiga milícia interestadual

Operação Jeremias 22:17 foi deflagrada em Roraima, Amazonas, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul (Foto: Divulgação)

Operações da Polícia Federal (PF) em Roraima sobre crimes advindos do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami tornaram-se rotineiras nos últimos anos. Policiais militares presos por envolvimento em crimes relacionados ao garimpo ilegal também surgiram há um certo tempo, inclusive com formação de milícias, além de venda de armas e munições. Investigação de políticos nesses tipos de crimes, incluindo tráfico de drogas, também não é nenhuma novidade.

No entanto, a Operação Jeremias 22:17, deflagrada pela PF na manhã de quinta-feira, 22, reúne todos os perigosos ingredientes em uma única investigação: garimpo ilegal com envolvimento de policiais civis e militares de Roraima e Amazonas, grande empresário em nível nacional do ramo musical, empresário de revenda de carros e uma vereadora que também é escrivã de polícia. Ou seja, corrupção policial, garimpo ilegal e política partidária acabam se encontrando. E mais: um dos envolvidos já é investigado por tráfico de droga.

Até parece figurinha repetida de diante de seguidos casos. Em Boa Vista, já existe vereador preso por suposto envolvimento com o tráfico de drogas, inclusive com fortes indícios de negociação de cocaína dentro do gabinete. O mesmo político foi preso por crime eleitoral no pleito passado e, durante busca e apreensão, a PF encontrou uma pepita de ouro, o que provavelmente pode ter vindo do garimpo ilegal. Sem contar com deputado investigado no caso de venda ilegal de armas e munições em que o principal alvo é um coronel da Polícia Militar.

Os fatos mostram que, se a corrupção, o tráfico de drogas e o crime organizado que envolve também o garimpo ilegal, não forem amplamente enfrentados e extirpados, o Estado de Roraima será apossado por um poder paralelo de difícil desratização, caso chegue ao seu apogeu. A Operação Jeremias dá mais esse indicativo, pois as investigações mostram que o caso de garimpo ilegal mostrou ramificações em cinco estados: Roraima, Amazonas, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul.

Conforme as investigações, o caso começou com o sequestro de um homem no Município de Caracaraí, em fevereiro de 2023, o qual foi torturado com choques elétricos por policiais para que informasse a destinação de uma carga roubada de cassiterita, minério chamado de “ouro negro”, retirada ilegalmente da terra indígena.

Os investigados são um delegado e dois policiais civis do Amazonas (Adriano Félix Claudino da Silva, Álvaro Tibúrcio Steinheuser e Edmilton Freire dos Santos), o policial militar de Roraima Jan Elber Dantas Ferreira, a vereadora de Caracaraí Adriana Souza dos Santos (que é escrivã da Polícia Civil), o empresário do ramo artístico musical Matheus Possebon e mais o empresário do ramo de venda de carro Lidivan Santos dos Reis.

As conexões impressionam. O empresário de revenda de carro é investigado por tráfico de drogas em outro processo. Em 2023, Matheus Possebon, empresário do cantor Alexandre Pires, foram alvos de operação Disco de Ouro, que investiga suposto envolvimento deles com um grupo criminoso que movimentou mais de R$ 250 milhões do garimpo ilegal. Por sua vez, a vereadora de Caracaraí, conhecida como Adriana da Civil, foi suspensa de suas funções como escrivã, neste ano, por ficar ilegalmente com R$ 10,1 mil de fianças pagas por presos em flagrante.

O delegado Adriano Félix, ex-titular da Delegacia Especializada em Roubos, Furtos e Defraudações (DERFD), em Manaus, é conhecido no Amazonas por explorar sua atuação nas redes sociais e na mídia local no combate à criminalidade, em um caso muito parecido com outro caso famoso do passado que virou documentário na Neteflix (Bandidos na TV). O outro policial investigado, Álvaro Tiburcio Steinheuser, já havia sido preso anteriormente por envolvimento no mesmo crime.

Aí está radiografia de mais uma operação da PF que investiga a atuação de uma milícia interestadual que era responsável por escoltar cargas de minérios extraídos ilegalmente da Terra Indígena Yanomami e realizar investigações paralelas, fora da lei, em um suposto esquema que viria de longe, do auge do garimpo, quando outros policiais militares em Roraima também faziam serviços semelhantes, os quais chegaram a ser presos.

Poderes paralelos tentando se estabelecer existem há um certo tempo. Mas, desta vez, o caso em investigação revela uma conexão que vai muito além do que se pensava.  Logo, essa operação da PF tem um simbolismo importante, que é mostrar para a sociedade roraimense que não é mais possível tolerar as ramificações do crime corrompendo quem deveria proteger os cidadãos e combater os criminosos, com conexão interestadual e com um pé dentro da política no interior de Roraima.  

*Colunista

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