
Apesar dos nĂşmeros do MinistĂ©rio da SaĂşde ainda apontarem que o Ăndice de suicĂdio entre a população indĂgena se concentra entre os idosos, a crescente incidĂŞncia entre jovens gera preocupação. Em entrevista concedida Ă EBC, a psiquiatra e pesquisadora Jacyra AraĂşjo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), explicar esse adoecimento nĂŁo Ă© uma tarefa simples. De acordo com a especialista, a questĂŁo Ă© cultural.
“Alguns autores acreditam que os jovens indĂgenas sĂŁo mais vulneráveis já que eles estĂŁo mais deslocados da cultura deles do que os idosos e eles estĂŁo vivendo uma deterioração do meio em que eles vivem mais intensa do que os idosos indĂgenas. E isso pode estar adicionando o acesso ao álcool e a dificuldade de acesso ao tratamento em saĂşde mental levando os mais jovens a optarem pelo suicĂdio.”
De acordo com o relatĂłrio “ViolĂŞncia contra os Povos IndĂgenas no Brasil“, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no ano passado, de cada trĂŞs indĂgenas que tiraram a prĂłpria vida, um tinha no máximo 19 anos. A antropĂłloga Lucia Helena Rangel, que elaborou esse levantamento, explica que a situação Ă© mais grave entre os homens jovens que, diante de tanta violĂŞncia, se veem sem saĂda.
“Entre 14 e 29 anos, o grosso está aĂ nessa faixa, jovem, masculina, muito provavelmente essa associação entre contextos tensos violentos e suicĂdios de jovens que apontam para situações meio sem saĂda. Uma tentativa de procurar espaços em outas dimensões, espirituais, sobretudo, onde há paz.”
Um relatĂłrio epidemiolĂłgico do MinistĂ©rio da SaĂşde, publicado em 2017, já tinha mostrado que 44,8% dos suicĂdios entre os povos indĂgenas envolviam crianças e adolescentes de 10 a 19 anos, uma porcentagem oito vezes maior do que o observado entre brancos e negros de mesma idade (5,17% em cada).
O perfil dos óbitos é considerado “peculiar”, segundo Jesem Orellana, da Fiocruz Amazônia, que também participou da pesquisa liderada por Paiva. Na população geral, a maior taxa é observada entre pessoas com mais de 70 anos.
“O cenário se inverte com os indĂgenas e eu acredito que isso se dá muito em função da falta de expectativa do jovem com o amanhĂŁ, essas desilusões em relação ao territĂłrio, Ă possĂvel inserção socioeconĂ´mica e Ă desestruturação das famĂlias”
O adoecimento mental da população gera preocupação para o MinistĂ©rio da SaĂşde, responsável pelas polĂticas pĂşblicas de combate ao problema, como destaca o psicĂłlogo da Secretaria de SaĂşde IndĂgena da pasta, Matheus Cruz.
“A faixa etária que mais preocupa é a de 15 a 29 anos e isso se deve muitas vezes a fatores como conflitos geracionais, familiares, passagem para a vida adulta, mas também outros fatores socioeconômicos, que se manifestam pela ausência de projetos sociais, projetos que envolvam perspectiva profissionalizante, e os processos de alcoolização, que se encontram intensos em algumas localidades, acabam se associando à baixa perspectiva de crescimento socioeconômico de alguns jovens.”
De acordo com o Boletim EpidemiolĂłgico do MinistĂ©rio da SaĂşde, de 2021, o triste cenário que leva jovens indĂgenas a desistirem da prĂłpria vida pode ser explicado pela passagem para a vida adulta, que chega como um momento crĂtico, sobretudo nas transformações socioculturais, a partir do contato com a sociedade nĂŁo indĂgena.